sábado, 2 de outubro de 2010

Deusa x menina de festa querendo dar

Coloquei meu carro no estacionamento do shopping que fica em frente a agência. Eu costumava ter claustrofobia nesse estacionamento, mas nem lembrei disso. Eu costumava ter problemas que provavelmente nunca mais serão problemas.
Como não tenho seu celular e nem sei seu sobrenome e nem tenho seu e-mail e nem conheço ninguém que te conheça, não teve outro jeito mesmo. Tive que vir pessoalmente. E esperar você voltar do almoço. Da sua cara eu acho que eu lembro. Lembro sim, você parecia um cara por quem fui apaixonada no colegial, só que com mais sobrancelha. E você olha pra baixo andando, tipo motoboy ou entregador de qualquer coisa.
Agora eu tô aqui, parada, esperando você chegar. Meu coração tá a mil por hora como nunca esteve por ninguém. E eu nem gosto de você, nada. Não sinto nada por você. Nem sei se esse nome é nome ou apelido. Nem prazer eu tive, apesar de ter fingido pra você parar logo com aquilo que tava fazendo no osso da minha bacia. Achei você chato de doer, como todo homem que apressa mulheres e abaixa cabeças. O típico simplório que separa as mulheres nos grupos tratar como deusa x tratar como uma menina de festa querendo dar. Meninas de festa querendo dar, meu querido, é que são deusas. As deusas vão querer casar com você e não passam de meninas de festa querendo dar.
Achei você sem assunto, com aquele jeito deprimido de quem só fala sobre o que gosta de fazer. Achei você chato de doer. Você tem o pior que uma pessoa de vinte e poucos anos pode ter: deslumbramento com gente mais velha. Você acha o máximo seu chefe, acha o máximo o dono da festa, me achou o máximo. Um dia você vai descobrir que o máximo é dormir dez horas sem sobressaltos. Aí você virou um homem.
Olho pro espelho da recepção, enquanto você não chega, e me vejo ensaiando. Eu tava fantasiada de gueixa e você achou legal minha piada de areia movediça, achou legal eu ter um ponto de taxi bem na porta de casa, achou legal eu ter um pacote de camisinhas na cabeceira da cama e achou legal o sutiã de bolinhas. Acho que isso foi tudo. Não lembro de mais nada. Quer dizer, eu lembro sim, eu lembro quando você, por causa da bebida e de outras coisas que eu não vi mas tenho certeza que você tragou, reclamou que a camisinha tava escapando. E de eu pensar na hora “era só o que me faltava!”. Só isso. Antes de você ir embora, você pediu meu telefone e eu apenas dei risada e falei que se você quisesse, tinha suco Del Vale na geladeira. Eu tava louca pra me livrar desses sucos depois que o cara que eu amava me falou que alguém da Daslu encontrou algo bizarro neles tipo o rabo de um rato mutante. E daí lembrei do cara que eu amava e quis que você fosse embora mesmo sem tomar suco nenhum. Porque eu, fulano, sou deusa. Apesar de você ter merecido só a menina da festa querendo dar. E apesar de saber que ser deusa pro cara que eu amava tinha me feito sentir mais lixo do que ser uma vadia pra você. A vida, fulano, é duríssima. Muito mais dura do que essa coisa meia-bomba que você trouxe aqui pra minha casa. Suma!
No dia seguinte eu botei tudo pra lavar. Eu só queria me divertir um pouco. Mas nada pode. Se você quer amar, não pode, a coisa vira toda contra você. É coisa de mulher chata. Se você quer dar, também não pode não. É coisa de vadia. O mundo é um lixo com as mulheres. E minha mente tem esse mundo aqui dentro. Esse lixo. Não queira nada, mulher! Apenas diga não e tenha o mundo aos seus pés. E dane-se se sua alma é dessas querendo dizer sim pra ser honesta e com bode do não de quem faz charme e não faz o que quer. Ser de verdade traz uma dor de verdade e só.
Eu arranquei tudo e botei na máquina. A gente faz as coisas pra matar dentro da gente e morre junto. A gente faz pra ferir quem pouco sente nossa existência e vai, aos poucos, deixando de existir pra gente mesmo. A gente faz pra provar que também existe sem amor e acorda se procurando no dia seguinte. Era só pra ser algo divertido e vira um drama. O amor era pra ser amor e virou só um troço que acabou porque eu esqueci que era pra ser divertido e pensar isso do amor me ofende. Viver é duríssimo.
Depois disso duas coisas aconteceram: eu nunca mais lembrei daquela noite e eu nunca mais menstruei. Já faz mais de três meses. E por causa disso, camarada, é que estou aqui, agora, te esperando. E as pessoas olhando pra mim. Ainda bem que estou em pé, mascando chiclete, esperando, dentro de um prédio. Se fosse a rua, eu seria mesmo uma vadia de esquina. Agora dei de pensar esse absurdo sobre mim. Eu? A garota que chora em mensagens de PowerPoint com cachorrinhos e bebês e anjos? Vadia? Queria só um abraço, sabe? Eu só queria um abraço. Não seu nem de ninguém que exista agora. De alguém. A eterna espera por esse abraço, simples, apenas uma droga de abraço que aceite numa só a deusa, a menina de festa querendo dar e outras milhares de coisas que eu, juro, não são tão ruins assim. Então não era você que eu esperava? Não! Eu esperava alguém que pudesse só me abraçar por um tempo maior que esses socorros rápidos que arrumo quando grito mais alto. Eu com medo do fundo do mar e me agarrando nas pessoas pra não afundar, mostrando buracos pra esconder meu medo de cair nele.
Voltei pro estacionamento sem te encontrar e senti as duas melhores coisas que já senti em toda a minha vida: cólica e claustrofobia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário