sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Além do castelo

Quando eu tinha meus doze anos de idade, não entendia absolutamente nada da vida, e pra piorar não tinha irmãos para dividir a descoberta. Era eu no quarto escuro querendo conjugar um verbo difícil adivinhando o que estava acontecendo, o que tinha acontecido e o que iria acontecer.
Foi então que idealizei o maldito príncipe encantado, aquele que traria respostas, complementos e acalantos para meu ser, e foi aí também que aprendi a me ver como metade, uma metade que carregaria angústia pelo mundo afora até que a cara metade aparecesse.
Passei toda a adolescência sonhando e esperando por ele, muitas vezes chorando porque nunca era ele, mas eu sempre fantasiava que era e forçava ser para não me frustar. Comecei a vida adulta fazendo o mesmo. Vício é vício, e se você não se tratar a tempo, pode passar uma vida inteira com doze anos de idade.
Foi então que uma coisa muito legal aconteceu, meu amigo Marcelo, que nunca fala nada, resolveu disparar a matraca naquele jantar.
Cansado de me ver tentando ser feliz com pessoas que simplesmente não me faziam feliz, ele me disse: você faz ao contrário, você cisma que alguém é a pessoa da sua vida e tenta fazer dar certo de qualquer maneira, sendo que o certo era alguém simplesmente dar certo de qualquer maneira e aí sim você fazer a pessoa ser da sua vida.
Voltei pra casa dando 100% de razão a ele e pensando quão ridículo é o desespero. Sim, eu já tenho 27 anos, não suporto nem ouvir a palavra “balada”, tenho pavor de jovens bobos e perdidos pela noite, estou sem saco para sexo sem amor e estou louca para encontrar alguém que queira construir uma vida comigo, dividir coisas, crescer juntos e... tá bom, vai, eu confesso: meus hormônios clamam por uma família, ainda que eu não esteja lá muito preparada para isso.
Mas essa vontade não pode ser forte o suficiente para que eu simplesmente pegue o primeiro coitado que aparecer querendo se divertir e coloque todo esse peso sobre ele. Esse desejo não pode ser grande o suficiente para que eu coloque em um homem que não tem nada a ver comigo a aura do homem perfeito e fique cobrando isso dele 24 horas por dia.
Mas e o que eu faço então da minha vida se esse cara aparecer só daqui 50 anos ou simplesmente não aparecer? E se eu nunca conhecer alguém legal que traga o troço todo das respostas, acalantos e complementos para a minha metade angustiada?
Sábado eu acordei bem cedo e fui sozinha para a minha aula de meditação, sai de lá com uma alegria simples e profunda de quem apenas é e não precisa ser nada para ninguém. Depois tava um friozinho com sol e eu resolvi almoçar com a minha mãe naquele restaurante cheio de árvores e pessoas bonitas. Olhei bem para a minha mãe e senti uma saudade imensa dela: fazia pelo menos uns dez anos que eu não a via mesmo morando com ela e a vendo todos os dias.
Resolvi ir sim no churrasco da minha amiga que mora do outro lado da cidade, por que não? Ela é das amigas mais antigas e merece que eu atravesse a cidade. A mãe dela, entre um doce e outro que tentou me empurrar, disse “quem diria que aquela gorducha de Maria Chiquinha ia virar uma moça tão talentosa?”. Estar dentro do meu mundo e da minha história me deu uma ótima sensação de paz, tudo ia dar certo.
Depois passei pra ver meu pai e o Nestor, seu cãozinho que se mija todo e fica de pau duro quando vê mulher. Meu pai olha pra ele como uma criança e foi bom passar algumas horas ao lado de um homem que sempre vai me amar exatamente como eu sou, mesmo ele não sabendo disso direito.
Fui ao cinema com meu novo amigo Fábio e ganhei uma calcinha da Betty Boop com o seguinte cartão “para a única mulher que me faz feliz mesmo nunca dando para mim”. Depois de mais um genial filme argentino, a gente experimentou todos os perfumes de uma loja fina e não levou nenhum, mas estávamos muito cheirosos e não podíamos voltar para casa. Fomos comer pizza até estourar.
A noite peguei a Lolita, minha cachorra que me ama até com remela, bafo e prisão de ventre e juntas lemos algumas páginas do “O Anjo Pornográfico”. Esse sim era o homem da minha vida.
Eu não preciso controlar a vida, meus hormônios, meu futuro, os outros, minha felicidade. Eu só preciso levar a vida, eu só preciso desfocar do sonho que me deixa míope e enxergar além, ou melhor: enxergar o que está na minha cara. Ver o quanto o resto todo já é perfeito e está lá, eu já conquistei, é meu.
Antes de dormir rezei, mas dessa vez não pedi o moço de cavalo branco (carro do ano) e da espada gigante (vocês entenderam), apenas agradeci por estar me sentindo tão inteira, feliz, em paz e, principalmente, por não precisar de ninguém ao meu lado para estar bem.
Mas no fundo, no fundo, confesso: pensei também que quanto mais inteira, feliz, tranquila e independente eu for, mais chances eu tenho dele aparecer. Vício é vício.
 

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