sábado, 2 de outubro de 2010

Enfileirados

Ontem fiquei procurando depois que você dormiu. Não sabia se era vontade de comer torradas ou de tomar outro banho quente, pra você me xingar que tomo banho demais. Não sabia se era coisa de sentar lá fora com a mantinha e ficar tentando adivinhar que luz é aquela que nunca apaga no prédio da frente. Não sabia se era coisa de te acordar de novo pra pedir que você me ensine a falar direito as letras das músicas que eu canto tudo errado. E você canta já dormindo, as músicas que mesmo no auge vão se apagando com seu sono e fica tão bonito. Eu fiquei procurando, procurando, acabei arrumando toda a sua roupa e deixei tudo esticadinho, com as meias e a cueca e o relógio e o celular e a carteira e as chaves do carro. Tudo um do ladinho do outro, bonitinho, corretinho. Era isso ou tomar outro banho. E você ri, ronca, pede pra eu cometer alguma loucura, sei lá, tipo beber a água da garrafinha aberta que está no seu carro há duas semanas. Isso seria uma super loucura. Acho que eu passaria cinco meses ininterruptamente enfileirando as coisas e limpando o chão da cozinha e passando meus cremes e arrumando perdões pra mim se eu bebesse daquela água.
E daí quero te acordar. Mas pra quê? Pra que mesmo? Se eu pensar, lá no fundinho do fundinho do fundinho, não é pra você cantar pra mim e nem pra tirar sarro que tenho o dedão do pé de algum namorado que matei e nem pra ver você mudando meus canais e fuçando nas minhas geleias de pimenta. É pra isso também, porque você é das poucas pessoas que me dão vontade de acordar cedo no dia seguinte e correr num parque. Mesmo eu nunca indo e sempre jurando, com as janelas bem abertas pra expulsar você, que foi a última vez porque não gosto muito de você. Pra que é? Penso enquanto tomo banho e arrumo suas coisas e vou até a varandinha com a manta ver a luz que nunca apaga.
Eu procuro, procuro, enquanto você dorme e não acho nada. Nunca. Acho que acho e logo esqueço porque era um lapso de “achismo” só pra não me abandonar de repente e ser depois. Depois de muitas horas durmo também, com a mesma calma morta e sorridente que faz com que você continue ganhando algum canto da casa e de todo o resto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário