Tenho mais de trinta anos e nunca comprei camisinha na vida. Morro de vergonha. Não sei nem por onde começar. Se falo baixinho, se vou de óculos escuros, quantas peço, de qual marca. Tem mesmo esse lance de pedir pelo tamanho?
Não que eu ache que camisinha seja coisa de homem. Até é, se você estiver na casa dele. Mas se você estiver na sua casa, é coisa sua. E é bom que ela esteja por perto, assim, no calor das coisas, você só dá aquela esticada no braço e pronto. Não precisa falar, perguntar, filosofar. Só os interessados em casamento e pagamento combinam o sexo. O resto simplesmente faz.
Nunca comprei mas sempre tive um bom estoque em casa. Herança de alguns ex namorados e casos que me enjoaram ou se enjoaram antes delas acabarem. Até os mais pessimistas, céticos e pão duros exageram quando estão apaixonados. E até os mais otimistas, esperançosos e desapegados sabem que poucos amores duram cinco pacotes de doze unidades (até porque se durar, provavelmente, a coisa ficou séria e eu já estarei tomando pílula).
Mas numa bela manhã me vi sem elas e sabia que o dia tinha chegado. Eu precisava comprar. Uma amiga minha deu a dica “compra no supermercado, no meio das coisas, que é mais fácil”. E foi o que tentei fazer.
Peguei pão, peguei sucrilhos, peguei pilha palito, peguei tomate, peguei banana e fui pegando geral até chegar na seção de perfumaria e descobrir que não tinha camisinha. Como assim? Ligo pra minha amiga “vou ter que encarar uma farmácia mesmo” e ela séria, no meio de uma reunião “você tá no Pão de Açúcar da Apinagés? É que justo nesse tem que pedir num balcão separado que fica bem na entrada, vai logo que você não é criança, aliás...”.
Agora era uma questão de honra. Chego no caixa. Cartão +, senhora? Não. CPF na nota, senhora? Não. Alguma coisa que a senhora não tenha encontrado? Sim. O quê? Caiiinha. Como? Ca-i-i-nha! Não entendi, senhora. Claro que não, eu estou murmurando fanha e com a voz mais baixa do universo. Me aproximo do ouvido de Rosemeire e digo “camisinha”. Ela fecha a cara e aponta o tal do balcão separado na entrada do supermercado.
Antes de me arrastar até a forca e repetir o meu pedido (só que agora, para o garoto do açougue que por alguma razão da desgraça humana está cuidando do balcão de apetrechos de farmácia...ou seja: era melhor ter ido logo a uma farmácia que pelo menos era algum senhorzinho acostumado a vender de pomada pra corrimento a cauterizador de frieira e não um jovem açougueiro com o sorriso indecente que só os carnívoros passionais têm no lábio inferior), fico imóvel tentando entender a cara fechada de Rosemeire.
Qual é? Posso transar não, bigoduda? Tá com inveja? Sua religião não permite? Qual é a sua, Rô? Virou minha mãe agora? Você devia era estar feliz que eu me cuido. Qual é seu problema? Mas como nada disso tem muito cabimento, desencano de entender e percebo que Rosemeire não está com a cara feia, ela só é feia mesmo. Eu é que estou inventando história complicada pra algo tão simples quanto: comprar um troço que serve pra botar em um pau que vai ficar furunfando em mim até gozar. Veja bem: tem que ser muito cara de pau pra comprar um troço desses sozinha, a luz do dia e ainda no supermercado que mamy freqüenta há anos.
Gerson, o açougueiro, pergunta qual o fator do protetor solar. Eu digo 15. Não. 30. Não. 60. Tem bloqueador? Tem protetor labial? Que mais que eu preciso...que mais que eu preciso...deixa eu ver...Ah... Tem...ah...tem amiinha? Oi? A-mi-i-nha. Como? Ca-mi-si-nha! Falo alto. Gerson, o açougueiro, fecha a cara e aponta para pacotinhos de várias marcas e quantidades. Qual pacote? Quero entender a cara feia dele mas lalalalalalalalalala. Eu digo. “Eu quero esse pretinho aqui de quatro”. E aí começa o festival de atos falhos. Digo, apontando o caixa no qual Rosemeire pesa as bananas “me dá tudo que eu quero levar”.
Paro alguns segundos pra resolver o que me parecem ser a únicas perguntas que realmente importam na vida de uma mulher: compro um monte pra nunca mais passar essa vergonha ou vão achar que sou uma vadia? O que Gerson e Rosemeire pensam realmente me importa? Quantas camisinhas são o suficiente pra eu não ter que voltar aqui até o próximo namoradinho mais sério que vai fazer todos os exames e merecer as pílulas?
Volto para o caixa e uma fila gigante se formou. Pela cara das pessoas, tenho certeza que Rosemeire falou “galera, segura aí que aquela piranha foi pegar cinco pacotes de doze camisinhas e já volta, se é que ela ainda anda”. Estou obcecada pela cara feia das pessoas apesar de ninguém estar realmente de cara feia. Para a minha felicidade, Rô ainda não acabou de passar todas as compras e, num passe de agilidade e mágica, enfio os pacotinhos misturados com a comida e os cremes e as pilhas palitos.
Acabou. Agora acabou. Eu mesma só vou ter que olhar pra essas desgraças de pacote a hora que estiver em casa, arrumando tudo. Em alguns segundos, elas sumirão pra dentro de algum saquinho vagabundo e eu poderei voltar a ser só uma simples garota que compra pilhas palito para o controle remoto do Ipod e não uma devassa loira que, acompanhada por sua vagina, faz compras descaradas enquanto senhorinhas comparam o preço do desnatado. Seria, enfim, o fim do alarme barulhento e muito vermelho que não parava de disparar no meio das minhas pernas. Olhem! Todos! Eu tenho vagina and faço uso da mesma. Olhem todos! Eu tenho uma árvore de natal em minha vagina!
Mas não, não, não. Rosemeire deixa, por último, e agora sim tenho certeza que algumas pessoas riem, os pacotes de camisinha ao lado do meu cacho avantajado de bananas nanicas que (quem entende de banana sabe) quase nunca fazem jus ao nome.
Num ato de desespero e exaustão, decido acabar logo com isso. É, minha gente, eu trepo mesmo. Tenho trinta anos e gosto de alguém. E sacola de fruta é sacola de fruta e sacola de perfumaria é sacola de perfumaria e vamo acabar logo com isso que ninguém aqui é criança. Eu mesma embalo, separadamente, as bananas. Tudo me parece ridículo, impróprio e sensual. Já que acho que sou agora o ser mais sexual do mundo, empino um pouco os peitos. Mas está acabando.
Ufa! Estou em casa. Para meu desespero vejo que esqueci as pilhas palitos em algum lugar. Freud explica.
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