sábado, 2 de outubro de 2010

Autógrafo

Estava no café de uma livraria quando Philip Roth entrou e se sentou ao meu lado. Senti um tremor invadir meu corpo, uma coisa maluca, nunca sentida antes. Febre, taquicardia, náusea, vontade de ficar descontroladamente boba, formigamentos nas extremidades. Eu nunca tinha pedido autógrafo na vida mas esse era definitivamente caso para uma exceção.
Eu estava ao lado do homem que escreveu um dos cinco livros da minha vida. Complexo de Portnoy. O livro do cara obcecado por sexo mas também por limpeza. O que torna a vida de qualquer pessoa uma desgraça. O livro do cara obcecado por amar e ser amado mas com verdadeiro pavor de ficar mais do que cinco minutos ao lado de qualquer ser humano. O que torna a vida de qualquer pessoa uma desgraça. Portnoy tinha me feito companhia numa fase em que nem eu mesma conseguia me fazer companhia. Seja lá o que isso quer dizer.
E se eu errasse o inglês? E se eu chorasse? E se eu vomitasse? E se eu não me controlasse e fizesse algo medonho tipo dizer “Ai, Filipe, cara, tipo assim, I love you, meu”. Sempre que fico querendo ser inteligente automaticamente viro uma porta. Pior: uma porta com aquele sotaque insuportável das garotas caçadoras de maridos ricos que por alguma razão desconhecida de meus estudos antropológicos falam como se tivessem um ovo de ouro entalado na faringe, um pregador de diamantes no nariz e uma pós graduação caríssima em alguma feira de rua do sul da Itália. Só faltava eu dar um flyer do Bar Secreto pro Filipe, meu.
Apesar da vergonha e de todo o mal que um comportamento ridículo poderia causar em meu detector de motivos para me culpar por anos sem fim, decidi que pediria o autógrafo. Fui correndo comprar um Complexo de Portnoy. A vendedora comentou que adorava esse livro, adorava o escritor…foi quando eu gritei “ele está aqui, acredita?” A vendedora riu da minha cara. Impossível, garota, ela me disse, certamente se achando melhor do que qualquer mortal só porque tinha carteirinha de biblioteca pública e pelo menos um amigo que já tinha jogado futebol com o Chico Buarque.
Passei rapidamente as agendas culturais literárias na mente e não tinha mesmo nenhuma razão para Philip Roth visitar o Brasil. Ainda assim era ele. Era ele sim. Eu tinha decorado a sua foto de tanto olhar pra ela. Adoro olhar fundos de olhos de fotos de pessoas que têm fundos de olhos. E era ele. Tudo bem que o livro tinha sido escrito na década de 60 e que Philip, hoje em dia, deva ter seus 112, 114 anos. Mas…é…acho que não era ele.
Do caixa, segundos antes de comprar o livro, vejo Philip se levantar e vir em minha direção. Sorrindo. Um pouco acanhado. Ele vem com cautela. Chega perto com vergonha. Para minha surpresa, ele fala em bom (não tão bom) e alto (bem alto) português. E pede um autógrafo para a menina que estava na fila, logo atrás de mim. Ela era atriz do Zorra Total.

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