Essa noite eu sonhei que eu ia de pijama fechar o portão da minha casa e dava de cara com as duas. A Fabíola e a Melissa. As duas meninas mais bonitas da escola. Campeãs universais do jardim dois até o terceiro colegial. Elas ganhavam todas as eleições. O tal do Rodrigo Cabelinho era o menino mais bonito de todas as Américas e namorava a Fabíola. Mas, diziam as más línguas de doze anos, vivia chorando pela Melissa.
Meu apelido era “Fabíola feia”. Porque eu era muito parecida com a Fabíola, só que numa versão feia. Eu tinha o mesmo redemoinho na franja, mas nela ficava lindo, dava um charme, fazia o topete levantar pra depois cair elegantemente atrás das orelhas. Em mim ficava cabelo de gente que nunca tinha visto um pente na vida. Ou que tinha tomado um choque minutos antes de entrar na perua escolar que estava a toda velocidade e com as janelas abertas.
A Fabíola era a minha versão com bunda de bailarina, peitos incríveis e cara de safada. Eu tinha cara de boba mesmo. E minha bunda só servia para eu tentar fazer coco e deixar meu avô e suas milhares de ameixas felizes.
Quem vai na festa? A Rê, a Jú, a Dani, a Má e a Fabíola. Qual? A feia. Ah, a Fabíola feia vai? Vai! Que ótimo! Então a gente vai rir um pouco! Ela é tão engraçada, né? Muito!
Nessa época eu, totalmente incapacitada de viver uma relação amorosa graças a minha sem gracisse, vivia a relação amorosa dos outros. A Melissa não olhava na minha cara até descobrir que eu dava as melhores dicas amorosas do universo. Ela fazia exatamente como eu falava e conseguia o homem que queria. Eu nunca contei pra ela que ela conseguia porque era linda. E ela nunca me disse que sabia que conseguia porque era linda. Mas que eu dava excelentes conselhos eu dava. E ela não me largava.
A Fabíola também se apegou muito a mim depois que a mãe foi morar no interior e o pai arrumou uma namorada que ela detestava. Qualquer problema, corria pra falar comigo. Era estranho, mas eu realmente parecia ter uns trinta anos naquela época, quando dava os mesmos conselhos maduros e vividos que daria hoje. Ainda que hoje, em muitas situações, eu me comporte como alguém com doze anos.
Minha mãe também namorava na época e eu era sua melhor e mais recorrente conselheira. Não mãe, não liga pra ele! Deixa que ele ligue! E então ela esperava. Mas não aguentava muito. E se eu ligar pra irmã dele? Eu tinha pena e deixava “tá, pra irmã dele pode, mãe”. E pensava “coitada, tão menina”.
E depois de dar conselhos adultos pra Melissa, pra Fabíola e pra minha mãe, eu ia dormir e conversava com um coelhinho que eu tinha, que eu amava, e dizia a ele “eu só quero não fazer coco na calça amanhã, na prova de ciência, você me ajuda?”. Com o coelhinho eu não tinha nem trinta e nem doze anos. Eu tinha uns quatro ou cinco. Eu amava a porra do coelhinho. E ele me amava também, porque uma vez eu vomitei em cima dele e ele continuou sorrindo e com os bracinhos abertos.
Enfim, mas essa noite eu sonhei que ia fechar o portão da minha casa (detalhe: eu moro num apartamento e eu ia fechar um portão que nunca vi na vida) e dava de cara com a Melissa e a Fabíola. E elas estavam com roupas de bailarina. E eram tão absurdamente lindas e felizes e tudo ao redor delas era fácil e calmo. Elas continuavam as mesmas. E eu fiquei olhando, olhando. Pra ver se pelo menos agora as coisas poderiam ser diferentes. Esperando que elas me abraçassem e dissessem “nós sobrevivemos!”. Mas elas não fazem a menor ideia do que é isso. E então eu só fechei o portão. E dormi segurando o meu redemoinho, já que coelhinhos não existem.
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