sábado, 2 de outubro de 2010

Interrupções

Entregar o texto da revista até meio dia. Mas pra isso, copiar e colar os tópicos do e-mail do cara que é assistente do cara que é o assistente da menina que eu não sei se é com K ou com C. Procuro, abaixo o som, deixando pra depois o interfone, tentando não deixar a porta bater, escrevendo na agenda bem grande que sexta tem IPTU.
De repente. De repente. Você deitado no chão. Deitando a nuca no meu pé enquanto tenta fuçar no armário de ponta-cabeça.
Entregar o roteiro até as duas. Ainda não é nada disso. Como mais um pedaço de pão de ansiedade. De novo toca o telefone e é minha mãe. A empregada pergunta se lava tudo ou deixa pra amanhã que vai fazer mais sol. Ligam do estúdio, posso buscar as fotos hoje? Ainda não aprovaram os spots do shopping. Negocio o prazo. E o texto pro guia, que tamanho é? Estourei de novo e a diretora de arte me liga irritada.
De repente. De repente. Eu deitada no sofá. Faço que estou dormindo. E você faz que está dormindo no chão. Ao mesmo tempo a gente dá a mão. E dá a outra. E daria uma terceira se ela existisse. E você fala com a voz mais baixa do mundo que não queria ter de ir embora. E eu te peço, com a voz mais baixa do mundo, pra você ficar mais uma semana. Daí fingimos que é sono. E dá vontade de rir porque nem era a hora e nem era pra isso.
Metade dos textos do guia pra hoje e não tem como renegociar . Os spots do shopping eram pra ontem. Minha garganta dói muito. Tá quente, tá abafado. Minha empregada bagunçou tudo. Tão me ligando do Rio. Preciso ver as coisas e fazer mais e mais e mais. Preciso pagar milhares de contas. Preciso ligar pra ver se meu pai melhorou. Hoje tem a festa da Raquel. A outra tá indo viajar amanhã e eu nem liguei. Preciso pagar 95 mil reais pra minha mãe. Oi? Não tenho nem os 50 reais da empregada. Preciso buscar as fotos, almoçar barato, trocar de celular, ler vinte e cinco páginas pra aula de amanhã, Diadorim, Diadorim.
De repente. De repente. Você me conta que não tem dó de matar besouros, esses malditos que voam na nossa cara sem nenhum medo de morrer. Os idiotas que têm medo de morrer mas esbarram na nossa testa e só por isso dão mais raiva que barata. Você coça muito forte os olhos, quase arranca, eu sei que dói mas pra mim também. E diz que tem preguiça, do Diadorim. E diz que tem medo, do longe de coisas como essa nossa. E eu penso, que no fundo, nem tão fundo, tenho também, demais.
E lá vou eu, a cada cinco minutos, namorar os flashes que você espalhou pela minha casa. Ainda que tudo não dê nem meia foto nossa, mal tirada. Se até o Natal você ainda gostar de mim eu prometo gostar de você também.

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