sábado, 2 de outubro de 2010

O equivalente a escrever

Quando eu trabalhava em marketing, em firma, e odiava, eu pensava, vou largar essa merda e escrever. Não tinha a menor capacidade pra ficar sentada embaixo daquele ar condicionado acumulando gripe desde 1994. Barulhinho de elevador me entristece. Aquele “plimplum” do elevador, sabe? Eu tenho vontade de imitar puta dentro de elevador com aquele povo falando das férias no Atacama. Sei lá, botar um peito pra fora e gritar “dérreal”. Algo bizarro. Gritar “spalacutinanaipoxereca”. Algo, algo. Já percebeu como tem sempre alguém falando de aventura no elevador? É porque eles tão escalando o prédio do décimo andar até o décimo terceiro onde fica o RH? E as TVezinhas de plasma informando do jogo do São Paulo e da prisão do Dantas e do urso que queriam aniquilar. Que aventura. E odiava aquelas calças pretas do terninho em dia de versão sem seu par paletozinho, esmagando bundas super profissionais. Crachá sempre tem algo de laranja. Cor da comunicação, manô! Os super ousados que andam na frente, levando sua trupe alegre ao quilo da esquina. Hoje é por conta do Álvaro. Não, hoje é dia do Tavares.
Quando eu trabalhava em agência, bota aí uns dez anos, eu pensava, vou largar essa merda e escrever. Virar noite por conta de spot pra banco? Aturar chefe que fala frases do tipo “hmmm, não sei, ainda não tá matador, sabe?”. E eu querendo estourar a cabeça do cara. “Tá matador agora, ô nerd brocha que ganhou dinheiro?”. E aturar duplas que você não escolheu nem pra marido e nem pra amigo e muito menos pra dupla. O dia todo ao seu lado. A noite toda quando tinha refação ou mesmo quando não tinha. O importante é viver pra essa merda. E sabendo o cheiro que o pêlo dele tem depois das três da manhã (uma hora o gel da desgraça ao lado vence, confere?). Enquanto ele refaz o sombreado do layout pela décima vez ouvindo “tecneira”. Eu olhando de longe e tendo que "pensar junto". Vou largar essa merda e escrever.
Cruzar no corredor aquela cara de sapa mijada do financeiro “não tenho expediente para lhe responder isso agora”. Vou largar essa merda e escrever. Participar de reunião com beirute e o cara da mídia que tem voz de catarrinho seco preso na faringe. Vou largar essa merda e escrever. O bolo dos aniversariantes de junho com direito ao prêmio bunda da firma pra Suélen, da recepção. Vou, sim, largar, essa merda. Ô se vou. E o cara que se acha maior engraçado, da finalização, imitando o Joseph Climber? Aliás, que graça tem essa bosta de quadro? A redatora gatinha que se pergunta sempre porque todo mundo olha pra ela, mal sabe que é por causa da bóia de pato rosa embaixo do sovaco. A menina é gorda no canto da teta! Mas se acha gata. Solidão. Bocejo. Azedo. Sempre o chocolatinho na gaveta. E um dia. Quem sabe. Consegui! Consegui! Ganhei leão! E agora? Agora enfia no cu. Eu vou largar essa merda. E larguei.
Eu larguei tudo pra escrever, porque nada bastava, servia, dava garantia, me fazia feliz. Nada era suportável. Sim, tem aí todo um problema grave de pouca paciência pra vida e menos ainda pra socializar e me relacionar. Grave. Até meio doente, vai saber. Mas, profissionalmente, super bem contornado pelo fato de que me sustento escrevendo. Sou plena assim. Ainda que plena seja uma palavra brega digna daquelas amigos que dizem “vá ver o Sol, Tatiane” (tive que ouvir essa ontem). Arrumei um jeito de pertencer ao mundo e pagar o IPVA sem precisar sair de casa pra me irritar. Fico aqui e tudo certo.
Mas e no amor, me pergunto, qual é o equivalente a largar tudo para escrever? Se também não aguento, não tenho saco, não fico quieta e trabalho. Se tudo me irrita, dá vontade de ir embora, sufoca, maltrata, enlouquece. Se quando peço aumento, só quero, na verdade, um bom motivo pra ser demitida. Se quando cobro reconhecimento só quero, na verdade, ser mandada embora. "Já que estar aqui é insuportável, me dá pelo menos a garantia de um bom plano de saúde?". Namorar é saber que daqui a pouco troco de novo de agência. Namorar é a calça preta do terninho, o elevador cheio de crachás, a sapa mijada do financeiro, o dupla com cheiro de bola de saco, a teta gorda da metidinha, o bolo da Suélen, o dia do Abrantes pagar a conta, a vontade de explodir a cabeça do chefe.
Tudo começa bem, tudo termina aqui, nesse site chatinho. No amor, o equivalente a largar tudo e escrever é exatamente largar tudo e escrever.

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