domingo, 31 de outubro de 2010

Eu preciso saber

A recaída de amor acontece como num daqueles pesadelos que se está caindo. De repente você acorda sentado na cama: Meu Deus, eu preciso saber! Mas se eu já estava tão bem há semanas. Volte a dormir, volte a dormir. Você já tinha decidido lembra? Nada a ver com você, chato, bobo, não deu certo. Mas eu preciso saber. Não, não precisa. Pra quê? Vai te machucar. Não! Eu preciso saber. Então levanto da cama.
Facebook, a desgraça em formato de parquinho virtual. Nome dele, aparece a foto azulada e ele de perfil. É tão bonito. Mas não há mais nada que eu possa ver. Nos deletamos mutuamente pra evitar justamente esse tipo de inspecão noturna.
Mas isso não vai ficar assim. Ligo pra nossa amiga em comum. Ela não atende, afinal, são duas da manhã. Mando mensagem "me manda sua senha do Facebook agora ou vou ficar te ligando até amanhã cedo". Ela manda a senha e um palavrão. Acesso. Vamos ver. Eu preciso saber. Eu preciso. Então vejo que ele não posta nada há cinco semanas. Fotos, fotos. A única foto nova é o flyer de uma festa que eu fui e ele não estava. Nada.
Jogo o nome dele no Google. Aparece uma foto dele alcoolizado dando entrevista em uma festa de mídia. Como é lindo. Tento o Twitter mas ele só escreve piada de político. Tento o Facebook, Twitter e blogs de amigos. Está ficando tarde. Se eu tivesse essa mesma concentração e minuciosidade e empenho e energia para o trabalho estaria rica. Estou retesadamente motivada e atenta. Mas não consegui nenhuma informação e eu ainda preciso saber.
São seis da manhã. Estou cansada. Coloco a música de quando você forçou a porta do quarto e entrou. Black Swan. Não sou boa de inglês como você, mas sei que é a história de algo que já começou fodido porque cresceu demais antes da hora, você que pegue um trem e suma daqui. Que bela música pra começar. Ok, agora estou chorando. Lembrei que eu me sentia tão viva com você me olhando bem sério e bem no fundo dos olhos e machucando meu braço. Sim, é definitivamente uma recaída e eu acabo de decidir que te amo mais que tudo no universo e que amanhã, ou hoje, porque já são sete e meia da manhã, vou resolver isso. Agora preciso dormir só um pouquinho.
Volto pra cama. Coração disparado. Não tem posição na cama. O que eu faço? Não tô a fim de ler, não tô a fim de ver TV. Aquelas outras coisas que se faz pra acalmar tô com preguiça agora, minha imaginação está indo toda para traçar um plano para que eu descubra. Descubra o quê? Não sei, mas sei que algo está acontecendo, ou eu não estaria assim. Porque eu sinto quando ele está com alguém, sabe? Eu sinto. Sim! A cartomante!
Ligo pra Zuleide. Você atende hoje? Mas é domingo, Tati! Atende? Só se for por telefone. Tá bom, então joga aí: ele está com alguém? Mas Tati, você quer mesmo saber isso? Quero, mulher. Eu preciso saber. Joga aí: ele está com alguma puta? Tati, eu não posso perguntar isso pras cartas. Pergunta aí: ele tá com alguma piranhuda desgraçada vagabunda vaca dos infernos? Zuleide pede desculpas e desliga. Preciso do Lexapro mas ele acabou há semanas, igual meu amor. E agora, de repente, preciso tanto dos dois novamente.
Você acha que ele está com alguém? Não sei, Tati, eu ainda tô dormindo, posso te ligar mais tarde? Você acha que ele está com alguém? E se estiver, Tati, quer ir ao cinema mais tarde? Você acha que ele está com alguém? Putz, sei lá, homem sempre tá comendo alguém né? Você acha que ele está com alguém? Tati, do jeito que ele gostava de você? Claro que não!
Chega, chega. Preciso me acalmar. Pra que isso? Se ele estiver com alguém agora, e daí? Terminamos não terminamos? Ele e eu não temos nada a ver, certo? Decidimos que era melhor assim, certo? Eu não tava bem com ele e nem ele comigo, certo? Porque era bom e tal. Aliás, meu Deus, como era bom. Mas não era bom pra ficar junto, certo? Então pronto. Chega. Adulta, adulta. Qual o problema se ele estiver agora, justamente agora, lambendo a virilhazinha de alguma desgraçada? Qual o problema? Ok, eu posso morrer. Eu definitivamente posso morrer. Chega, vou acabar com essa palhaçada agora mesmo.
Tomo banho, me visto, pego a bolsa, entro no carro. Considerando que ele não mora em São Paulo, não sei exatamente o que eu pretendo com isso. Mas me faz bem enganar o cérebro e fazer de conta que estou indo atrás da verdade. Na verdade vou só na casa de outro, preciso fazer qualquer coisa que não seja sofrer, mas não consigo. O outro não conhece Black Swan, não ri da história da Zuleide, não me aperta o braço.
Volto pra casa destruída. Sinto tanto amor dentro de mim que posso explodir e bolhas de corações vermelhos atingiriam o Japão. Quase não consigo respirar. Chega, chega. Ligo pra ele. Ele não atende. Ligo de novo. Ele atende falando baixinho. Você está com alguém? Estou. Desligamos. Pronto, agora eu já sei. Depois de um final de semana inteiro de corações palpitantes, músicas, textos, amigos, danças, gritos, sensações, assuntos, choros, dores. Agora eu já sei.
O que eu nunca vou saber é porque faço tudo isso comigo só porque tenho tanto medo do tédio. Era só isso o que eu precisava saber.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Desamor revisitado

Ele chega com uma de suas novas jaquetas chiques e de longe eu vejo aquele cabelinho de banda suja londrina que eu tanto amei, aquela carinha infantil de “olha, cheguei” que eu tanto amei, aquele olhar de timidez tarada que eu tanto amei… e me pergunto: por que amei tanto e não amo mais?
Ele me aperta como sempre, até que algum ossinho da minha coluna estale, e me diz, como sempre também: “Que é que você tem que eu sempre largo tudo e venho te ver?”
Espreguiço para sugerir desinteresse mas meu coração bagunça tanto que tenho um ataque de tosse. Entramos de mãos dadas no cinema, felizes como se tivéssemos acabado de nos conhecer. Ele me olha sem parar, suspira, a cada movimento que eu faço, cada semblante, cada segundo de raciocínio, ele está lá me observando encantado. Faço um esforço pra tentar me lembrar: por que foi mesmo que eu deixei de amar esse homem? Não faço a menor idéia.
O filme é um lixo, master clichê, mas era o único que tinha e tudo bem: ao lado dele tudo fica divertido. A gente brinca de adivinhar as próximas cenas, adivinhamos o filme todo ao som de “shius” que os humanos limitados fazem, inconformados com aquele casal que tenta boicotar um filme tão supimpa.
Sobra pipoca no dente, colamos pipoca na testa, entra pipoca no sutiã. Cada vez que nossas mãos se encontram salgadas, dentro do saco, a gente brinca de se roçar com os dedos como pernas desesperadas.

Antes da gente chegar ao elevador do seu prédio, ele me oferece as costas e eu subo, o porteiro não entende nada, eu berro de longe: “Sou sobrinha dele.” Adoro essa brincadeira e mais uma vez me pergunto: onde eu estava com a cabeça pra deixar de amar esse homem?

Um banheiro é pra escovar o dente, outro é pra tomar banho e o outro é pra fazer cocô, ele explica. Sinto pena dele sozinho naquele apartamento gigante, quase quero ficar ali pra sempre. Ele mostra que tem todas as minhas músicas prediletas (que eu ensinei a ele) no seu iPod última versão, anda esbarrando pela casa em seus milhares de brinquedinhos e insiste para que eu assista a alguns dos seus vídeos caseiros cheios de bobagens. Ele é um super-homem quando a gente precisa e uma criancinha fofa quando a gente também precisa. Meu Deus, agora faço o maior dos esforços do ano: por que cacete deixei de gostar desse cara?

Chocolatinhos, vinho, som ambiente, escurinhos. Ele pára o mundo todo, se ajoelha no sofá deixando as mãos no meu colo: “Você não sabe a saudade que eu senti todo esse tempo.”

Seus olhos se enchem de lágrima, a música se torna instrumental matando qualquer outra palavra, a cidade não respira, o tempo não existe, a solidão é coisa de gente que mora muito longe dali, minha mente aquieta todos os monstros, as mulheres lindas nas capas das revistas são empilhadas descartavelmente e viram nada, a poluição vira oxigênio puro e cor-de-rosa, o outro homem que é dono sem merecer do meu corpo magoado explode no ar deixando apenas estrelas para iluminar meu recomeço, as dúvidas todas do que fazer pelos próximos mil anos se simplificam porque eu só desejo viver aquele momento, sim, sim, sim, eu quero zerar tudo de antes e de depois e amar esse homem agora, como antes, como nunca. Por que não?
Deitada sem forças e coragem para existir, eu quero tomar o banho mais urgente e demorado do mundo.

Ele agora está na sacada, olhando a cidade e coçando o saco, tentando pegar algum recado no celular, querendo marcar alguma coisa com algum amigo, fala alto, os carros buzinam e se xingam lá embaixo, talvez ele deseje mais do que tudo se virar e não me ver mais ali. A vida idiota voltou e me fez lembrar novamente que continuo uma idiota.

Sua enorme sala inteira chora, todas as plantas, todas as luzes apagadas, todos os CDs empilhados, o carpete caro e fofo, os cantos, o teto, o chão, o ar. Os feixes de luz da cidade entram como espada pela janela e guilhotinam qualquer razão, todo mundo está deitado e decapitado comigo. Todos estão sujos, todos estão ultrapassados e velhos, todos choram a intenção de amor que nunca dura.

A exploração do meu corpo me dá uma sensação mundana de morte pobre e simples, nada de espiritual e eterno ronda minha alma neste momento. Seus restos grudam em mim como tudo de ruim que gruda na nossa memória e nos faz viver cheios de medos e traumas.

Ele me observa frio e concluído da sacada, não se preocupa com o meu frio, com o vazio gigante que me toma novamente e me deixa assim, palidamente assustada e infantil. Ele até tem pena, mas me considera demais para ter pena de mim.

Ele anda mais completo, mais solitariamente feliz, mais homem, mais ereto, mais macho. Eu, corcunda, me enrolo na manta, corro para o banheiro como um bicho cagado, me ajoelho no chão do boxe e deixo a água quente me dizer que tudo bem: não é a primeira vez que você se sente tão perdida, usada, burra e sozinha.
Uso o banheiro do cocô para tomar banho, o banheiro do banho para vestir minha roupa que era feliz até duas horas atrás e agora parece escolhida para velar o defunto, e finalmente, o banheiro de escovar os dentes para mirar meus olhos traídos e esquecidos. Peço desculpas não aceitas a mim.

Antes de chegar à minha casa vejo que ele deixou dois chocolatinhos na minha bolsa, arremesso um deles com ódio na valeta da rua, o outro eu como, afinal, é sempre com a metade de tudo que eu fico porque ninguém nessa merda de vida consegue se dar e ser por inteiro.

Agora me lembro porque deixei de amar você, lembro exatamente porque deixei de amar todo mundo. Lembro que mais uma vez deixei de me amar.

Vai, Lemão!

É errado ter um programa idiota na televisão que arrecada mais dinheiro (da audiência, dos intervalos, dos “merchans”…) que qualquer programa educativo, informativo ou sócio-ambiental? É.
É errado pensar que o Zé pode não ter dinheiro suficiente para o arroz, mas gasta lá seu mísero dinheirinho suado numa ligação para votar no BBB 7? Opa se é.
E ficar vendo o alemão ensinar um argentino a falar “posso te encoxar” enquanto o mundo se esvai em violência, caos nos aeroportos e aquecimento? Erradíssimo.
Mas sabe o quê? Por isso é que é tão bom. Porque é errado. Porque está todo mundo com o saco cheio do que é certo. Porque está todo mundo com o saco cheio de ser certo se o mundo é tão errado. Viva o alemão!
Na próxima noite de terça eu não saio de casa nem que o Clive Owen queira me levar ao DOM (tem tv no DOM?). Torcer pelo alemão, ainda que seja óbvia a sua vitória esmagadora, me anima mais que a Copa do Mundo, o Manhattam Connection (o Mainardi não gosta de música!), o novo filme do Woody Allen, a nova Piauí (muita coisa pra ler, né?) ou qualquer visita de um macho alpha de primeiríssima linha (dá pro macho alpha chegar depois que acabar o programa?).
Sim, é errado torcer assim por um bombado com sotaque de paulista “forgado” e que nos presenteou com nada mais, nada menos, que banalidade: a velha fórmula de gostar da mocinha do interior difícil e apenas “usar” a urbaninha que vai lá e faz o que está com vontade de fazer. Ainda assim, terça que vem vou estar colada na tv, torcendo pelo meu querido Diego.
É errado perder tempo com um programa que paga uma torcida falsa, explora a população e em troca não dá nenhum segundo de conteúdo inteligente. Mas eu fico me perguntando, então, o que seria o certo. Continuar aqui lendo o meu Sartre e com vontade de cortar os pulsos? Continuar todas as manhãs lendo o meu jornal e me dizendo em mantra “mundo de merda, mundo de merda, mundo de merda”? Os jovens já morreram por dias melhores, em que os trabalhadores chegariam ao poder. Adiantou? Agora fica essa sensação de que não tem mais nada pra fazer. Aliás, tem: torcer pelo alemão.
Que bom que existe banalidade. Que bom que eu posso ter um dia de merda entre trânsitos, enchentes, ar podre, chefes escrotos, homens fracos, mais notícias de balas perdidas, colegas de trabalho falsos, pagamentos atrasados, trombadinhas de rádio (é o quinto que me roubam em menos de um ano), novas estrias, vizinhos folgados, parentes malucos e… chegar em casa e ver o alemão passando perfume no pinto. O alemão dizendo que vai pegar um por um. O alemão malhando de sunga branca. O alemão dizendo que fez o que o pai dele ensinou. O alemão dormindo de conchinha. Vai lemão!
O Diego exerce em mim o mesmo poder de uma promoção de sapatos. Não é a coisa mais importante da minha vida, é um prazer fugaz, não vai me tornar uma pessoa melhor, mas como me relaxa e me faz feliz naquele curto espaço de tempo. E ser feliz em um curto espaço de tempo já é muita coisa nessa nossa vidazinha chata, não?
Vai Diego! Vai Lemão! Sim, é muito errado torcer para você, mas a vida é errada mesmo. É errada essa casa toda bagunçada e a lasanha fedendo lá na pia suja. É errado ficar recebendo essas visitas aqui, de pessoas que só querem levar pedaços da minha alma, mas não me dão em troca sequer um grãozinho de coração. É errado inventar paixões semanais só para não encarar que tudo ficou sério e adulto e chato pra cacete. É errado ter 345 projetos para entregar amanhã e nenhuma idéia de como começar.
É tudo tão errado. Aqui dentro da minha casa, aqui dentro do meu peito. E lá fora, no mundo, vixi, nem se fala. É tudo tão chato, tão fraco, tão pouco.
Mas o alemão é forte, é engraçado e agora tem um milhão de reais. Ele deu certo! Ele eliminou mal humorado por mal humorado com seu bom humor. Ele pega a mulher que quiser. Ele seduz até os inimigos. Ele deu porrada em alguém lá no Guarujá, mas eu aposto que esse cara que apanhou adora ele. Ele dormia com duas mulheres e isso pegava bem. Inclusive para elas. Ele falou que ia abaixar a calcinha da Carol e ela não mandou ele para o paredão. Preferiu mandar o outro que estava apaixonado por ela, mas jamais o alemão. E sabe qual é a fórmula para o Brasil amar tanto uma pessoa que nem parece brasileira? Ele é feliz.
No fundo, mesmo lendo tanto, pensando tanto e filosofando tanto, a gente gosta mesmo é de quem é simples e feliz. A gente não se apaixona por ninguém que vive reclamando e amassando jornais contra a parede. A gente se apaixona por esses tipinhos banais que vivem rindo. E a gente se pergunta: que é que ele tem que brilha tanto? Que é que ele tem que quando chega ofusca todo o resto? Como é que dá pra ser feliz nesse mundo?
Vence quem passa por essa vida rindo. E se o preço que se paga por ser um pouco feliz é ser um pouco idiota, dane-se. Eu vou ser bem idiota na terça-feira. Se bobear vou até dar uns “dois real” pro Boninho. Tadinho, deve estar precisando. Lemão! Lemão! Lemão! Vai lemãããão!!!!(Mas se um dia ele for trabalhar no Zorra Total nego até a morte que escrevi esse texto em sua defesa.)
 

Paixão não dá jeitinho brasileiro

" Ando de um lado para o outro, minha meia fica suja mesmo a casa estando limpinha. Não sei o que sentir, não sei o que pensar. Vamos! Alguma coisa! Nada e o turbilhão que me dá tanta vida que desisto e fico sem nenhuma. Desabo e choro que é o que resta a fazer. E então, eu escuto o sopro. Ele me explica tudo. E diz que é como os dias de pressão muito alta em que desmaio com a pressão quase a zero. É pra equilibrar o corpo. É pra não explodir. A desistência que se instala tão improvável nada mais é que um respiro pro querer demais não morrer na largada.
E então eu peço uma concessão dentro de mim. Quero resgatar carinhos e larguras de peito. Quero amolecer couros e músculos que dão mil voltas pra disfarçar a frouxidão. Tudo pra te dar a amizade que você me pede. E assim, quem sabe, ter você pelo menos um pouquinho. E exercitar minha melhor e mais entregue missão no mundo que é, vez ou outra, nos intervalos da merda da vida como ela é, fazer você sorrir. E o sopro chega. E me diz. Paixão não dá jeitinho brasileiro. Paixão não dá jeitinho brasileiro. Tem essa de “o que dá pra fazer” não. Só tem o que daria pra fazer que não dá mais. E isso é terrível mas é tão especial. E eu espero que você entenda. E eu espero, do fundo do meu coração, que você jamais entenda.
Agora quero saber porque raios é na paixão que fiquei. Porque se fosse amor, se eu amasse você realmente, eu poderia te dar qualquer coisa que já seria amor. Porque amor é cada pedacinho sem ser, por isso, menos amor. Só a paixão exige o mundo todo dessa forma tão indecente. E então o sopro chega e me explica. Paixão é uma doença que se pega. Dá febre, dor no peito, taquicardia, insanidade. Se você tiver a sorte de sentir isso por alguém capaz de lhe dar as mãos pra atravessar a lama, você se cura e pode amar. Se ele for capaz de dormir ao seu lado enquanto você sente tudo doer e a fome que te abandona. Se ele puder sentir junto ou ao menos te deixar ver que é assim mesmo para os dois. O peso dissipa um pouco e vai mais rápido. Mas se você conhecer alguém que tenha, no fundo da alma, um prazer cruel em dizer que sua loucura é problema seu. Sinto muito. É o sopro que me diz. Sinto muito. O sopro me diz que deixar alguém apaixonado é uma crueldade bonita. O sopro me diz que não cuidar do doente é uma crueldade feia. O sopro me diz que ter medo do apaixonado é ter medo, sobretudo, que o apaixonado se cure. E eu digo que chega, já entendi tudo. Chega sopro, agora me deixe quieta aqui, esperando isso tudo sair do meu sangue e já saiu mais do que eu imaginava.
Como um vírus eu te expulso a cada segundo de mim. Não é exatamente com água e repouso, mas com um maravilhoso descanso da sua existência. Daqui a pouco não sobra nada e então poderemos ter uma linda amizade cheia de jantares e concertos e confidências. Pena que você não vai querer. O sopro me diz. Ele sabe, querida, ele sabe que você nunca será mais uma daquelas mulheres sem nome, com quem ele janta ou come, pra sentir de dentro da redoma de vidro um sol artificial. "

Enfim, nós. E a Claudinha.

Foram quatro horas e cinqüenta minutos ao meu lado. E ele vai embora feliz da vida achando que conheceu alguém legal. Foram menos de cinco horas e me dá certa pena pensar nos próximos dias, meses. Talvez anos, se ele for algum tipo de corajoso, algum tipo de masoquista.
Eu consegui, por hoje deu tudo certo. Fui inteligente e carinhosa durante o cinema. Depois fui engraçada e um pouco mais carinhosa durante o jantar. Na minha casa eu segui conseguindo, conseguindo ser alguém com quem se quer passar um feriado em Buenos Aires.
Mas tenho certa pena do dia de hoje, tenho certa pena de como esse dia corretinho, linear e brilhante pode ser corroído pelas chuvas, calores e sujeiras. E acabar como algo disforme, fosco e fraco.
Eu queria que você soubesse, meu amor, que sou dessas loucas. Dessas loucas que vai te chamar de meu amor, mesmo você estando na minha vida há apenas uma semana. Dessas loucas que vai querer te matar só de pensar que, talvez, daqui cinco anos, você me troque pela Claudinha, uma menina mais nova e sem as minhas manias insuportáveis que você ainda não conhece.
E aí, mesmo eu te conhecendo há apenas uma semana, vou te odiar pelo que vou sofrer daqui a cinco anos. E vou te odiar, sobretudo, porque daqui uma semana, quando você se apaixonar pelas minhas manias insuportáveis, eu vou acreditar que você nunca vai enjoar delas.
Eu sou dessas malas sem alça que vai ter ciúme dos seus amigos, dessas pessoas maravilhosas que te conhecem há muito mais tempo que eu. Essas pessoas maravilhosas que serão as primeiras a saber, daqui cinco anos, que você está comendo a vaca da Claudinha. Aliás, eles que vão te apresentar a vaca da Claudinha.
Só de pensar nessa puta da Claudinha, sabe o que eu fiz assim que você saiu da minha casa ontem? Eu liguei para o Pedro. Depois para o Ricardo. Depois para o Fábio. E deixei todos de sobreaviso: ando super carinhosa, gatos.
No fundo, no fundo, não tenho a menor vontade de ser carinhosa com nenhum deles. Mas sou dessas idiotas covardes que quando percebem que estão gostando de alguém, resolvem gostar de vários. Só para banalizar o sentimento. Só para descentralizar a renda. Olha eu, fazendo piadinha meio de esquerda... olha eu, escrevendo meio parecido com você e dando nomes para personagens. Eu sei que gosto de alguém quando esqueço de não gostar tanto de mim. E eu gosto de você, mesmo sabendo que você gosta de mim por pouco tempo.
Ai amor, amorzinho, amoreco, moreco. Eu odeio esses carinhos, odeio. Mas falo todos eles baixinho antes de dormir, para o espaço ao lado da cama que ninguém ocupa. E eu sou um pouco mais estranha do que ser estranha permite. Sou estranha além do charme de ser estranha. Eu sou daquele tipo bizarro, que eu nem sei direito se existe, que vai te acordar, daqui a algumas semanas, chorando como se tivesse te perdido para sempre, ainda que você nem saiba direito se fez bem ou não em dormir, logo assim de cara, na minha casa.
Eu sou sempre cinco anos na frente, eu já começo sofrendo com o fim, eu já tiro a roupa com o gosto meio vazio de resgatar as peças pelos cantos depois. Eu vivo o luto de tudo, antes mesmo de comprar uma roupa colorida pra curtir que você foi embora ontem, lá de casa, querendo voltar. Eu sei que você quer voltar. E eu sei que serei muito feliz por cinco anos, até a puta da Claudinha aparecer. Aquela vaca.
Pensa bem, meu amor, pensa bem. Eu sou daquele tipinho baixo de mulher. Daquele tipinho que rouba o seu celular enquanto você faz seu xixi feliz da vida, achando que conheceu alguém legal. Eu sou daquele tipinho raso, que vai xeretar seu orkut, tentando descobrir o que sua ex tinha que te fez demorar tanto para aparecer na minha vida. E vou odiar toda a sua história, e vou odiar que seus amigos sejam amigos da sua ex, e vou odiar que seus amigos vão adorar contar suas histórias do passado. E vou ficar quietinha, perdida, no canto da mesa. Querendo ligar pro Ricardo, pro Fábio e pro Pedro.
Não que eles sejam melhores do que você, porque não são. Mas eu preciso fugir de você ser tão legal. Porque você é definitivamente muito legal, tão legal que não vai agüentar e me largar daqui cinco anos. Inebriado pela mente menos complexa, pelo peito menos angustiado e pela bunda mais dura. Da Claudinha, claro. Sempre ela.
Ainda dá tempo. Ainda dá tempo de você se libertar do meu cheiro de manga, que você gosta tanto. Ainda dá tempo de se libertar da minha neura de contar as coisas e de não encontrar razão para haver um pão pullman na fruteira. Agora tem graça, mas imagina esse mesmo cheiro de manga e essa mesma conta que soma o mundo sem nunca subtrair nenhuma tristeza daqui cinco anos? Cai fora, irmão. Cai fora.
Não demora muito para eu começar a competir com você. E querer ser melhor que você. E querer isso justamente para que você nunca deixe de me admirar. Mas eu, mais uma vez, sem ter medida de nada, vou te sufocar com meu saquinho furado. Meu saquinho onde todo e qualquer amor ainda é pouco. Porque meu vazio é imenso.
Já imaginou só? Já imaginou quando algum amigo seu apontar e falar: quem é aquela louca ali, berrando no meio da festa e pegando um táxi? E você vai ter de voltar sem graça, e explicar: ela se irritou porque eu peguei a última água com gás sem perguntar se ela queria.
É isso o que você quer para a sua vida? É isso? Uma mulher que bebe refrigerante quente em pleno verão do Nordeste receosa pela procedência do gelo? Uma mulher que tem mais medo de vomitar do que de paraglider? Uma namoradinha meiga que a qualquer momento pode soltar 345 palavrões no seu ouvido só porque você tem mais coisa pra fazer da vida do que me idolatrar?
Combinado, então? Você vai ler agora esse texto, ficar meio tristinho, afinal de contas não é todo dia que se perde uma mulher como eu, mas vai ser forte e terminar tudo. Terminar tudo e ir logo de uma vez conhecer a puta da Claudinha. Essa vaca.
E aí, daqui uns cinco anos, quando você descobrir que mulher é tudo a mesma coisa, quando você estiver enjoado das manias insuportáveis da Claudinha, quem sabe algum amigo seu não me apresente a você. E quem sabe a gente não é feliz pra sempre?

Tereza e um milésimo de segundo

O tempo todo escuto das mais variadas pessoas uma mesma observação: você é, você é... diferente.

Algumas dizem isso com a cara assustada, como se não soubessem lidar com alguém que escreve com tanta transparência sobre a própria vida. Será que, se eu der bom dia para essa menina, ela vai escrever um conto sobre mim?

Me olham como se eu fosse perigosa, louca, estranha.

Outras me olham como se tirassem sarro de mim, como se dissessem, sem dizer, que, já que eu resolvi deixar minha alma pelada por aí, eu mereço mais é que riam mesmo dos meus defeitos. E no fundo, essas pessoas, eu sempre soube, morrem de medo de ver alguém tão parecido com elas exposto ao mundo da maneira mais humana possível. Com celulites, manias, medo de não ser amada, fracassos, vitórias alarmadas sem medo do egocentrismo e desejos estranhos.
Tem também um ou outro mais limitado que não entende absolutamente nada do que eu escrevo e me pergunta "Mas e aí? Quando você casar, tiver filhos... vai escrever sobre o quê?", achando que a busca ou a angústia por algo inexplicável (e basta estar vivo para sentir tudo isso) acabam com alguma decisão como assinar um papel.

E minha família, mais especificamente minha mãe, sempre teve muito medo que eu sofresse com minha personalidade, escolha profissional ou seja lá o que for essa coisa que me faz escrever tanto sobre mim e sobre tudo o que me acontece.

Medo de eu me preservar menos que as outras pessoas e encher de armas os inimigos para ser bombardeada depois. Medo de eu não ser compreendida ou respeitada justamente porque tem sempre algum desavisado machista que acha que eu escrevo pura e simplesmente sobre sacanagem. Ela, e meu pai deve tb conversar assim lá com São Pedro, sempre me diz, quando reclamo que não existe homem para mim, "com seu jeito, você deve assustar 98% dos pretendentes".

A única que sempre esteve muito bem resolvida em relação a esse assunto e nunca teve um segundo de dúvida quanto ao caminho escolhido fui eu mesma. Eu, do fundo do meu coração, tenho um orgulho absurdo de ser quem eu sou. Tenho um orgulho absurdo de transformar tudo o que dói em mim em poesia, ao invés de sair transando com o primeiro babaca (não que eu já não tenha feito isso e escrito sobre isso e blá-blá- blá...), encher a cara, me drogar ou simplesmente fazer de conta que nada está acontecendo, nada me atinge e eu sou superior a dor. Dói mesmo, eu me apaixono mesmo, eu sou intensa mesmo, eu me ferro mesmo, às vezes eu ferro as pessoas mesmo. Tudo é bom, tudo é vazio, tudo é bom de novo. Viver é um absurdo e não dá pra passar por isso tão ileso.
 
Mas do que tenho orgulho mesmo é de ter construído um mundo onde qualquer pessoa, da mais incrível à mais idiota, possa virar personagem. E de ter construído um mundo onde todos os sentimentos viram enredos com trilhas e a direção de arte certa. Dos sentimentos mais banais àqueles que nos fazem querer se rasgar inteira ou abraçar o mundo. Um mundo onde o por acaso, o cotidiano, o qualquer, o cinza, tudo pode ser motivo para gostar mais ou sentir mais a vida.

E nesse mundo, onde as pessoas acham que eu vivo nua para quem quiser me ver de todos os ângulos e me explorar e me sentir e me provar e me sacanear. Nesse mundo, eu vivo bem escondida e protegida. Ou você achou mesmo que eu construiria um castelo tão escancarado sem ter pensando na fortaleza perfeita para mantê-lo intacto?

O que eu quero de você

Quero acordar do seu lado num domingo de manhã e saber que não temos hora para sair da cama. E, depois, ir tomar café na padaria e ler o jornal com você. Quero ouvir você me contar sobre o trabalho e falar detalhadamente de pessoas que eu não conheço, e nem vou conhecer, como se fossem meus velhos amigos. Quero ver você me olhar entre um gole de café e outro, sem nada para dizer, e apenas sorrir antes de voltar a folhar o caderno de cultura. Quero a sua mão no meu cabelo, dentro do carro, no caminho do seu apartamento. Quero deitar no sofá e ver você cuidar das plantas, escolher a playlist no ipod e dobrar, daquele seu jeito metódico e perfeccionista, as roupas esquecidas em cima da cama. E que, sem mais nem menos, você desista da arrumação, me jogue sobre a bagunça, me beije e me abrace como nunca fez antes com outra pessoa. E que pergunte se eu quero ver um DVD mais tarde. Quero tomar uma taça de vinho no fim do dia e deitar do seu lado na rede, olhando a lua e ouvindo você me contar histórias do passado.Quero escutar você falar do futuro e sonhar com minha imagem nele, mesmo sabendo que eu provavelmente não estarei lá. Quero que você ignore a improbabilidade da nossa jornada e fale da casa que teremos no campo. Quero que você a descreva em detalhes, que fale do jardim que construiremos, e dos cachorros que compraremos. E que faça tudo isso enquanto passa a mão nas minhas costas e me beija o rosto. Quero que você nunca perca de vista a música da sua existência, e que me prometa ter entendido que a felicidade não é um destino, mas a viagem. E que, por isso, teremos sido felizes pelos vários domingos na cama e pelos sonhos que comparilhamos enquanto olhávamos a lua. Que você acredite que não me deve nada simplesmente porque os amores mais puros não entendem dívida, nem mágoa, nem arrependimento.
Então, que não se arrependa. Da gente. Do que fomos. De tudo o que vivemos. Que você me guarde na memória, mais do que nas fotos. Que termine com a sensação de ter me degustado por completo, mas como quem sai da mesa antes da sobremesa: com a impressão que poderia ter se fartado um pouco mais. E que, até o último dia da sua vida, você espalhe delicadamente a nossa história, para poucos ouvintes, como se ela tivesse sido a mais bela história de amor da sua vida. E que uma parte de você acredite que ela foi, de fato, a mais bela história de amor da sua vida. Que você nunca mais deixe de pensar em mim quando for a Londres, escutar Dream' Bout Me ou ler Nick Hornby. E, por fim, que você continue a dançar na sala. Para sempre. Mesmo quando eu não estiver mais olhando.

Azar o seu

Terminou assim, com um e-mail dele que dizia: azar o seu. Azar o meu o quê? Nunca mais sair com um homem que só me deixava com saudades de sair com um homem de verdade?
Minhas amigas, vou lhes dizer: a carência é nossa inimiga número um. Você já parou para pensar nas besteiras que faz por carência? Liga pra relacionamentos falidos, dá bola pra babacas e o pior: se bobear até acaba abrindo as pernas para um deles.
Tá carente? Pega uma amiga sua que também está e passa uma tarde tentando entender por que os homens são tão idiotas e mesmo assim fazem tanta falta. Você não vai chegar a conclusão nenhuma, mas pelo menos passou a tarde com alguém que, assim como você, tem cérebro. E sentimentos.
Essa é uma dica importante, mas a mais importante é a que vem agora. Preste bastante atenção.
Ele é moreno, tem olhos azuis, usa camisetinhas "mamãe quero ser forte" e fala francês. Oui , mon cherry , e fala o tempo todo, pra mostrar que é fino e cult. Mas só consegue mostrar o quanto um pouco mais de macheza lhe cairia bem.
Fuja, saia correndo, nem cumprimente. E se você for homem e estiver a fim de dar uma catarrada na rua, espere ele passar por perto.
E eu, minhas amigas, que vos escrevo textos com pitadas de uma certa experência de vida. Eu que analiso o comportamento humano com paixão e tenho, depois de algumas desilusões, todos os pés atrás com a raça. Eu que gosto de saber aonde estou pisando e apenas me deixo sobrevoar a espécie quando o macho se mostra apaixonante o suficiente para me dar asas. Eu caí no conto do vigário e agora sinto sobras de invasão neste meu território tão sagrado.
Quem nunca deu para o cara errado que atire a primeira pedra! Mas atira logo porque eu tô com raiva minha.
Sim, este texto é escrito com orgulho ferido. Mas está longe de ser escrito com o coração machucado. Entendam, por favor. Não sinto saudades e tampouco falta. Sinto é raiva de um mala desses ter ousado desaparecer. Quem ele pensa que é? Quem tinha que ter dado o fora era eu! Francamente!
Preste bastante atenção para não cometer o mesmo erro:
Ele usa um chinelinho homossexual, mesmo com as roupas mais finas. Ele fala com entonação retardada frases debilóides do tipo "tá com fominha?", "pára, bobinha". Usa aquele colarzinho "sou um rico descolado que ama a natureza" estilo Luciano Huck , penteia um topete "trabalho em firma" de lado, achando que arrasa com um estilo amante latino a moda antiga e, como todo garoto mimado, perdido e metido a artista, ele acha que é fotógrafo.
Ah, e ele não gosta dos amigos: ele ama os amigos. E ele não comenta que foi com os amigos no futebol ou beber cerveja: ele ama os amigos.
Quem nunca deu para o cara errado que atire a primeira pedra! Mas atire nele pra ver se ele grita fino.
Estou triste porque por alguns milésimos de segundos, que foram tão rápidos quanto o seu desempenho sexual e tão enganadores quanto o seu fôlego sexual, eu quase achei que ele fosse bacana. Por que é tão difícil achar alguém realmente bacana? E melhor: por que enquanto a gente não acha alguém bacana, a gente não simplesmente aceita a vida morna e pára de ficar se enganando que qualquer babaca é bacana? E mais: por que pagar pra ver, e descobrir que não tinha nada que valesse a pena ver, incomoda tanto?
Eu com essas perguntas tô quase virando a mulher do Sex and The City .
Deixemos clara a putaria minha gente! Pra que gastar dinheiro em jantares românticos, pra que assistir a filmes que vão além da inteligência sufocada num bracinho forte com a tatuagem à mostra? Pra que mostrar fotos da família? Sim, ele é bonito, ele, de boca calada, tem bastante chance de comer uma ou outra mulher mais espertinha que esteja, no momento, sem nada melhor pra fazer e querendo dar uma relaxada.
É simples. Mulher também faz sexo por sexo, não queremos casar e morar numa casa com cerquinha branca o tempo todo. Sejam sinceras. Agora não venha subestimar nossa inteligência com romance barato até levar-nos para a cama. Não nos leve para a cama com promessas e não ligue no dia seguinte. Isso é herança da época em que ficávamos em casa ganhando peso e imaginando nossos maridos com amantes peitudas e não do tempo atual em que somos as amantes peitudas.
Tá dado o recado, tá vomitada a revolta, tá levantada a pergunta: por que homens como esses ainda são chamados de "típicos" machos se não passam de "típicas" fêmeas?

Fadinha de cu é rola ou como ser muito preconceituosa

Eu tive um namorado que insistia nas roupas da Les Filós. Ele me dava blusinhas cheias de babados com brilhos e um dia me fez experimentar um sapato altíssimo, rosa e com laços. Eu andei dois metros e teria morrido se a vendedora não tivesse corrido para me segurar na escada.
Eu passei quase um ano sem sentir prazer com ele porque boneca de cera não goza. Transar é que nem comer manga, se você corta em 24 quadradinhos perfeitos e come educadamente de garfo, já deu tempo dela secar. Bom é fiapo no dente e queixo babado.
Eu tive outro namorado que só me deixava usar calcinhas de renda branca porque as de renda preta eram vulgares… e as temáticas escritas "me foda agora ou cale-se para sempre" eram dignas da fogueira da inquisição.Era um chato, um belo dia eu dei um pé nele e fui ao cinema sozinha e sem calcinha. O máximo da liberdade.
Sempre que eu fiz pose num pufe colorido de uma balada "lounge" ou cara blasé encostadinha no bar, choveu idiotas. Sempre que eu me acabei que nem uma retardada na pista de dança e suei e borrei a maquiagem, eu afastei os playbas idiotas. Graças a Deus. Odeio os playbas e suas namoradinhas fadinhas que acham o Woody Allen um tio até legal quando querem parecer cultas em alguma festa do dj gringo do momento.
Ahhhhhh como é difícil pertencer a alguma coisa. Eu adoro praia, mas qual a exata quantidade de neurônios da galerinha Maresias-surf-Sirena? Eu adoro happy hour, mas qual a chance de eu agüentar o 6:01 com aquela galera "firma" combinando o sapato de couro falso com a bolsa de couro falso acompanhada de um mister MBA que não dá no couro?
A galera que se esconde em bares sujos e usa piercing, definitivamente pessoas freaks e que não passam a certeza de um banho recente, não é a minha. Muito menos a galera black music que faz fila de semelhantes em série em novíssimas casas noturnas na Vila Olímpia (a casa já reabriu 150 vezes com nomes diferentes e donos filhinhos de papais diferentes) e distribuem "flyers" com desconto. A palavra "flyer" me dá vontade de encarnar um americano fanático por joguinhos eletrônicos e sair metralhando todo mundo.
Sei lá, nada contra tá? De repente você gosta de mim e se encaixa num desses perfis… não fica com raiva de mim não, eu sofro sendo assim, eu sofro porque, quando você acha mais da metade do mundo babaca, você passa muito tempo sozinho.
E a galera de "ripongazinhas" que compram na Benedito Calixto e freqüentam os bares de MPB da Vila Madalena? Não, eu gosto muito do Chico e tudo mais, mas aqueles tios de jaqueta de couro com um banquinho, um violão, uma pasta com plásticos e uma platéia entoando "Me levaaaa amor. Amooooooooooooor. Por onde for, quero ser seu paaaaaar" é a morte para mim.
Acho a galera das "balas" muito idiota. O que exatamente é uma pessoa que espera "bater" para começar a se divertir? E pergunta pro cara do lado "e aí? bateu?" e o cara do lado responde "tá batendo, tá batendooooo!". Que porra é essa? Um concurso de punheta? Gente! Por que vocês insistem em parecer idiotas?
Acho rave um saco porque dura demais, não gosto de nada que dura demais num mesmo ritmo, chega uma hora que você implora pra alguém desligar o liqüidificador do seu cérebro. Talvez meu problema seja não beber e nem usar nenhum outro tipo de droga, é o tempo todo a realidade do mundo fazendo clarão na minha mente preconceituosa, as coisas me cansam demais, ter sempre o controle me cansa demais.Mas ficar com cara de idiota e fazer fila pra vomitar não é a minha não. Sei lá, sou careta.
Mas odeio os caretas que acordam cedo e se comportam sempre equilibrados na valsa do mundo corporativo, odeio a comunidade "namorada perfeita" ou coisa semelhante que me contaram que tem no Orkut. Meninas alisadas, de mãos feitas, de sobrancelhas limpas, cheias de posturas, beicinhos e educações. Meninas meigas, que jamais falam "ai o meu caralho, ai a minha buceta cabeludaaa!" mas tratam garçons mal e adoram olhar bundas de homens: bem ali aonde fica a carteira.
Adoro um palavrão, adoro a palavra cu (e acho o cúmulo ela não ter acento). Ela bem usada é uma excelente economia de terapia.
Nunca fui da turma dos nerds, eu estudava pra fazer média 5 e acabar logo com aquele tormento dos grupinhos bacanudos na hora do recreio. Um monte de idiotas fãs do Brendon Walsh. Eu odiava aquele seriado e os topetes de gel. Eu me agarrava com o fotógrafo de 35 anos da escola enquanto aquelas idiotas cheiravam a Giovana Baby.
Tinha a Fabíola, a Dani e a Melissa. Elas falavam pra mim "você até podia ser bonitinha se não fosse estranha". E hoje em dia eu digo a elas "vocês até poderiam ser interessantes se não fossem normais".
O mundo inteiro é mais um em meio a tantos, e eu prefiro ser única no meio do nada.
Na faculdade tinha o grupo das meninas que trabalhavam na Daslu e não tiveram capacidade para entrar na FAAP porque matavam aula do cursinho para fazer unha francesinha. Tinha o grupo que nem pensava em largar a maconha para começar a trabalhar mas comprava camiseta do Che Guevara com o dinheiro do pai gerente de banco. Em todos os lugares que eu trabalhei sempre identifiquei o grupo das meninas caçadoras de homens ricos que trabalham só até descolar um gerente, chefe ou assistente promissor.
Tem as meninas atrasadas mentalmente que com 20 anos nas costas colecionam adesivos de ursinhos, tem as cachorronas em suas calças brancas agarradas atrás de uma banda de axé, pagode ou qualquer merda do gênero e tem também a pior espécie do mundo: a jornalista andrógina superdescolada que de tanto ser contra o machismo acaba virando assexuada. A mulher que não precisa de pinto vira a típica "isso é falta de pinto".
Eu uso All Star vermelho sujo com calça dobrada e tenho uma bolsa Adidas, sim eu sou daquelas publicitárias que combinam almoços, falam da vida dos outros publicitários, namoram publicitários e gostam do Ritz, do Jacaré, do Drosóphila e do Espírito Santo.Eu sou daquelas publicitárias que só vão a lugares com publicitários e reclamam que só tem publicitários.
Eu sou mais uma escrota escondida numa tribo qualquer para essa vida parecer menos idiota, só que todos os dias a idiotice da vida me dá um tapa na cara e eu corro para ler um livro do Nick Hornby, ver um filme do Woody Allen e ouvir jazz fusion. E aí me sinto mais "publicitária" ainda, é um inferno.
Eu apenas sou inteira e exclusiva quando estou aqui, no escuro do meu quarto escrevendo essas bobagens neste site. Sem ninguém por perto, tirando meleca do nariz, admirando minha foto gorducha com 5 anos de idade. Eu sou inteira aqui, aqui eu não tenho medo de nada, não me acho menos do que ninguém e não tenho medo de ser sozinha.
Eu encontrei minha exclusividade por trás da minha falsa aparência e isso me faz lembrar todos os dias que ralar esses dedos até sangrar é muito melhor do que malhar a bunda numa esteira de academia e pertencer à tribo das meninas que nem precisam abrir a boca para chamar a atenção. E aliás, é bem melhor que elas não abram.

O lado bom de um relacionamento aberto

O lado bom de um relacionamento aberto é…poder ficar com outros caras. Repasso a agenda do meu celular. Esse é burro, esse é chato, esse é poka pratika, esse fala muito e não tem nada a dizer. Esse é legal. Opa! Que ótimo. Esse é legal. Pena que eu não gosto dele. Pena que eu vou querer vomitar cem anos se ele encostar a mão em mim. Desisto.
O lado bom de um relacionamento aberto é…colocar agora minha mala no carro e ir para a praia. Sem avisar ninguém. Desligar o celular. Passar um dia todo com I-pod no ouvido. Nada a fazer, nada a dever. E morrendo de saudade. Querendo voltar logo pra Porto. E olhando todo mundo e querendo comentar, brincar de encontrar personagens. E rir junto. A maldita vontade do junto. Junto é melhor. E morrendo de saudade. Desisto.
O bom de um relacionamento aberto é… poder transar com o ex namorado. Que era a foda do ano. Era. Agora você nem lembra mais como era. E acha que era ruim. Era ruim, não era? Putz, era uma merda. Desisto.
O bom de um relacionamento aberto é…se cagar de rir com seus amigos sem a preocupação de ser inteligente e fina e educada e bonita e politicosocioambieltalhumanamentemente correta. Vale arrotar até. Falar de pinto, de pau, de pica e de mais algum outro assunto picante. E falar mal de gente brega. Breeeeegassss! Cafonassssss !!! E morrer de vontade que ele conheça melhor seus amigos e seu lado idiota. Seus amigos que você ama tanto. Que são você também. E que assim você se sentiria mais amada e tal. E ter que responder onde tá fulano. Ah, ele não vem não. Não sei, não me falou. Tá, tá tudo bem. Claro, assim é mais saudável. Eu? Abatida! É de tanto trabalhar. Mas vamos rir, galera. Vamos rir. E rir dá uma saudade. Desisto.
O bom de um relacionamento aberto é…sair na balada, ver filme pelada, em casa, descabelada, trabalhar sem a vontade maldita de ver a pessoa, não pensar que seria melhor estar com ela, não pensar, não ter medo de perder o que não se tem. Do que eu tô falando? Blablablablabla…Pra quem essa merda funciona?
O bom de um relacionamento aberto é…putz, não faço a menor ideia.

Aviso Prévio

Entrei na sala escura e pequena. Senti uma claustrofobia enorme. Abre aí uma janela, liga o ar, qualquer coisa. Não, tinha que ser jogo rápido. Diga logo ao que veio que eu tenho mais o que fazer. Eu vim pedir demissão. Disse. Já me arrependendo. Mas preferindo isso do que ser demitida por incompatibilidade ao cargo. Ele me olhou, olhou, olhou de novo. Por cima dos óculos. Então você quer se demitir do amor? Isso mesmo, querido chefe coração. Eu quero desaparecer daqui. Quero que você se exploda. Veja bem. Um dia lindo lá fora. Quinhentas coisas pra fazer. E eu presa aqui o tempo todo. Nessa salinha mofada. Trabalhando vinte e cinco horas por dia sem dormir, sem ver a luz do dia e sem ganhar nada por isso. Vivo exausta e abatida. Chega. Isso é trabalho escravo. Você me deve férias há anos. Você sempre me garante que agora, agora finalmente é a minha vez. Vou crescer na empresa. Vou me dar bem. Vou ter aumento. Mas nunca é a minha vez. Vou morrer estagiária se continuar aqui. Sempre que estou saindo pra almoçar, você aparece em minha mesa e me dá papeladas e mais papeladas de angústias e ciúmes. E mais uma vez deixo de comer pra cuidar de você. Sempre que estou saindo pra me divertir um pouco, esquecer o dia desgastante, esquecer que você me suga, esquecer que bato cartão diariamente numa empresa que jamais me valoriza, você aparece e me dá papeladas e mais papeladas de saudades e fidelidades. E nisso os dias passam e não saio do mesmo lugar. Mas olha. Está um dia tão bonito lá fora. E são tantos outros empregos que posso arrumar. Minha bunda, por exemplo, tá precisando de um reforço já faz tempo mas eu nunca apareço. Ela está quase falida. Meu cérebro, coitado, já desistiu de me oferecer mais dinheiro pra me levar daqui. Eu sempre acabo ficando. Escrava sua. Seu explorador desgraçado. Eu quero a demissão agora. Quero viajar com carro conversível e cantar. Quero trepar com alguém que você não goste sem ser bipada por você na hora H. Sem ter que voltar correndo pra fazer suas vontades imperantes...
Já que não tem final de semana, madrugada ou Carnaval, esse é o jeito. Demissão. Desisto. Me demito. O quê? Aviso prévio. Quem disse? É lei. Tá bom. Aviso prévio. Mas eu te juro, só mais uma semana. Aproveita bem que está acabando. E se você for esperto, metade do que bota banca que é, me contrata antes de me perder pra sempre.

ESTAR SOZINHO

Estar sozinho é engraçado, louco, angustiante, libertário e triste, tal qual estar com alguém. No entanto, estar sozinho é absolutamente o oposto de estar com alguém.
Estar sozinho é fechar as mãos no nada quando se atravessa a rua correndo e não se tem uma mão para segurar.
É acordar sem saber o que será do dia porque planejar sozinho dá preguiça.
É falar a coisa mais engraçada do mundo para alguém que não vai rir, porque ninguém te entende tão bem.
É ficar louca sem cúmplice. Não tem graça ser fora da lei sozinho.
É querer contar tanta coisa para alguém, mas para quem?
A vida simplesmente acontece para quem está sozinho, às vezes sem que a gente perceba, pois é mais fácil ter noção de si mesmo através de outra pessoa.
Estar sozinho é fazer dengo sozinho na cama, sem ninguém para apenas encaminhar o ombro um pouco mais perto.
É comer doce demais porque sua boca precisa de um incentivo para continuar salivando vida.
É comer doce demais porque estar sozinho dá uma tremedeira estúpida de hipoglicemia.
É o doce que substitui mal e amargamente o sexo.
Estar sozinho é dormir até tarde no domingo. Não para congelar o tempo na alegria, mas para fazer de conta que o tempo não existe.
É conviver com a ansiedade de que você pode encontrar alguém especial a cada esquina, então você tenta ficar bonita. Mas seus olhos não mentem o cansaço da espera e a tristeza de estar solta, e você fica feia.
É ter a sensação de que ninguém te olha, pelo menos não como você gostaria de ser olhada.
Estar sozinha é estar solta e, no entanto, é estar amarrada ao chão porque nada te faz flutuar, sonhar, divagar.
Estar sozinho, ou estar sozinha, pode acontecer com qualquer um. E você torce para que aconteça com a sua melhor amiga, ou com aquele homem que você gostaria de experimentar como uma pílula para a sua solidão.
Estar sozinha é não suportar ouvir a palavra solidão porque ela faz sentido. E o sentido dela dói demais.
Estar sozinho é ter uma risada nervosa, de quem segura um grito e um choro enquanto ri. Um riso falso para se convencer de que é possível ficar sozinho sem ficar deprimido.
Estar sozinho é usar roupas provocantes sem se sentir sexy com elas. É conferir a caixa de e-mails com uma freqüência que beira a compulsão. É chorar do nada. É acordar do nada. É morrer de medo do nada que fica no estômago.
Estar sozinho é uma coisa física, ou melhor, é a falta dela. Você se sente oco por dentro, por isso aquele respiro profundo de lamentação.
É cogitar enlouquecer.
O ombro pesa porque é tenso ficar sozinho. E porque não tem ninguém pra te fazer massagem também.
Quando chove, venta, escurece, e você está sozinho, você lembra de Deus e do quanto é pequeno. Estar sozinho é se aproximar de Deus por piedade própria e não por agradecimento, que é o que nos faz aproximar Dele quando estamos amando.
Estar sozinho é detestar ficar em casa. Ficar em casa sozinho, quando se está sozinho, é muita solidão.
Então você sai, só para não ficar em casa sozinho. E descobre o quanto você é sozinho. E volta pra casa sozinho, e chora vendo fotos.
Estar sozinho é implorar paixão e loucura com um olhar para o carro ao lado, segundos antes de você ver que ele não está sozinho.
É trabalhar para passar o tempo e só conseguir escrever títulos, roteiros, spots e textos chatos, sem inspiração.
É procurar um olhar pela rua e andar por aí com cara de louco.
É estar pronta para algo novo e não agüentar mais dias iguais.
É ocupar a vida de açúcar, intrigas, fofocas, encrencas. Aventuras tortas.
É ocupar a vida dos outros com reclamações, lamentações, dúvidas e carências.
Resumindo: estar sozinho é triste, enche o saco dos outros e deve fazer mal para a saúde.

João e (a velha) Maria

Duas vezes eu quase morri de saudades de você. Uma quando eu vi Closer e lembrei que o amor, como deveria, não existe. E outra quando escutei sem esperar “Quem te viu, quem te vê” e lembrei que você era um pedaço charmoso de tudo o que o mundo e a vida têm de mais charmoso. Doeu lembrar ou aceitar que esse pedaço não existe mais nem no predinho azul e nem no sofá azul. Neste dia você finalmente morreu, e eu chorei de luto sem teatro, de luto não atual, de resto de luto. De um luto morto.
Você namora, casou, sei lá, com a menina de bolsas e saias bonitas que não tem cara de louca. E essa é a minha vingança, porque eu sei que você é mais feliz sem loucura, mas a felicidade e a normalidade não existem. Eu ainda acho que a gente tinha alguma verdade que faz você, nem que seja a cada 100 anos, arranhar um Chico Buarque em meu luto. Um luto cheio de vida.
Vez ou outra chegam aqueles seus emails que você responde por educação e são cheios de frases quase íntimas envoltas pela maior frieza do mundo. É como se a cada letra você reafirmasse que somos amigos cheios daquela inteligência de camaradas descolados e bem resolvidos que, como tudo na vida que ainda respira e tem cor, seguiram em frente.
Sim, somos isso mesmo, claro. Mas eu caguei para tudo isso e fico com o seu abraço naquele fim de festa estranho em que você foi o dj e, para a minha surpresa, me fez matar a saudade do meu mundo.
Eu fico com as danças que sem nenhum medo das críticas eu improvisei para o nosso espaço no universo. Dancei como uma bailarina que volta a funcionar milagrosamente, e pela última vez, numa caixinha de música quebrada.
Eu fico para sempre com o que você plantou em mim, essa erva do mal. Você sabia que me tornei uma mal-humorada-pseudo- intelectual totalmente insuportável e crítica? Você ao menos era culto de verdade.
Você está bem onde está, eu estou bem onde estou. Mas, como aconteceu naquele dia na praia, em que eu passei indo com meu novo amor e cruzei você vindo com seu novo amor, não tem como a gente não olhar para trás.

A tecla 'A'

Quem tem MAC sabe a dificuldade que é arrumar um cara que entenda de MAC. PC qualquer CPD formado em segundo grau técnico sabe mexer. Já MAC é coisa para uns tipos estranhos. Um cara que fica entre um engenheiro frustrado e um artistas plástico mais frustrado ainda.
Com sorte fui apresentada a um tipo desse, semana passada. Meu computador tava todo bichado e o tipo estranho veio na hora certa. Por 300 paus deixo seu computer zerado e ainda arrumo seu i-pod, moça.
Beleza. Topei. Nem sei se fui roubada, mas topei porque o cara trabalha na esquina da minha rua e isso pra mim foi um sinal de que aquele cara merecia todo o dinheiro do mundo. Depois da minha mãe que mora há 3 quadras de mim e sabe fazer nhoque de mandioquinha, o Marcelo dos MAC acabava de ser eleito o cara mais legal do universo.
Ele falou que ia precisar passar a tarde com o meu computador e eu quis sofrer com isso, afinal: eu trabalho nele. Afinal: minha vida tá nele. Afinal, caceta: eu tenho dezenas de fotos da minha bunda nua nesse computador! Fotos que fui tirando ao longo dos anos pra ver se anda servindo de algo o dinheiro gasto com cremes, massagens e malhação. Minha empregada outro dia falou: “vixi, a senhora não percebe, mas antes era muito pior”! Adoro a Maria, ela sabe valorizar a minha bunda como ninguém.
Foi então que inventei uma desculpa aqui, uma curiosidade ali, e resolvi ir junto com o meu computador. O tempo que fosse necessário eu ia ficar alí, junto dele e do Marcelo dos MAC.
O Marcelo olhou pra mim e falou: “a senhora não confia quando faz um exame médico? É a mesma coisa, tem que confiar no profissional!”
Pois então, mas eu confio tanto nos médicos que inclusive eu vou junto com o meu corpo ser examinada por eles, não? Enfim, fiquei 4 horas e meia na casa do cara. Olhando meu filho ser desmontado, remontado, desmontado de novo e cuidando para que nenhuma foto da minha bunda antiga fosse descoberta. Da bunda nova até vai lá!
E quatro horas na casa de um desconhecido estranho só poderia resultar em um papo muito estranho. Afinal, eu posso ser tudo (ser louca o suficiente pra ficar anos fotografando minha bunda, ser louca o suficiente pra ficar 4 horas na casa de um cara cuidando para que ele não visse nenhuma das fotos, sendo que o mais fácil era ter gravado as fotos num cd e apagado do computador), mas eu não sou mal educada. Ou seja: puxei papo com o cara.
Contei que era escritora, coisa e tal. Trabalhava em casa. Tinha até uma dúzia de fãs aqui e ali. E ele olhou sério pra mim e falou: você escreve sobre amor, não é?
Poxa. Tá tão óbvio assim? Só porque sou menina de batom rosinha? Só porque sou tão carente e possessiva que não consegui ficar longe do meu computador 4 horas? Só porque meu i-pod só tem musiquinha mela cueca? Porque falei que tenho fãs meninas? Por que? Heim? Por que?
E ele me mostrou com simplicidade da onde tinha tirado aquela idéia, apontando para a tecla “A” do meu computador: “tá apagada, de tanto você escrever sobre o amor o “A” apagou”.
E foi naquele momento, nos fundos de uma casinha simples e cheia de monitores e teclados mortos, e que um dia já receberam e escreveram muitas cartas de amor, que eu tive a brilhante idéia: tá na hora de mudar um pouco esse foco! Cheeeeega desse assunto! Não agüento maaaais falar disso! Preciso trabalhar, viver e ser feliz com minhas outras teclas!
Aí cheguei em casa e resolvi escrever o primeiro texto de não amor do ano. Melhor: resolvi recomeçar o ano escrevendo o meu primeiro texto que não fala de amor. Um texto que fala de qualquer coisa, do meu MAC que quebrou, por exemplo. Ou da minha rua que fica perto de tantos lugares legais como a casinha do Marcelo dos MAC. Ou das fotos progressivas da minha bunda, da minha empregada Maria, do nhoque da minha mãe. Ou até mesmo de uma tarde qualquer e sem grandes emoções como tantas.
E foi então que eu descobri uma coisa fantástica, talvez a mais fantástica de todas: quando a gente pára de procurar desesperadamente por um amor, a gente percebe que pode amar qualquer coisa. Eu posso amar meu computador, minha rua, minhas fotos, minha empregada, o nhoque da minha mãe. Ou até mesmo uma tarde qualquer e sem grandes emoções como tantas.
Droga, e eu achando que dessa vez não ia bater na mesma tecla.

Além do castelo

Quando eu tinha meus doze anos de idade, não entendia absolutamente nada da vida, e pra piorar não tinha irmãos para dividir a descoberta. Era eu no quarto escuro querendo conjugar um verbo difícil adivinhando o que estava acontecendo, o que tinha acontecido e o que iria acontecer.
Foi então que idealizei o maldito príncipe encantado, aquele que traria respostas, complementos e acalantos para meu ser, e foi aí também que aprendi a me ver como metade, uma metade que carregaria angústia pelo mundo afora até que a cara metade aparecesse.
Passei toda a adolescência sonhando e esperando por ele, muitas vezes chorando porque nunca era ele, mas eu sempre fantasiava que era e forçava ser para não me frustar. Comecei a vida adulta fazendo o mesmo. Vício é vício, e se você não se tratar a tempo, pode passar uma vida inteira com doze anos de idade.
Foi então que uma coisa muito legal aconteceu, meu amigo Marcelo, que nunca fala nada, resolveu disparar a matraca naquele jantar.
Cansado de me ver tentando ser feliz com pessoas que simplesmente não me faziam feliz, ele me disse: você faz ao contrário, você cisma que alguém é a pessoa da sua vida e tenta fazer dar certo de qualquer maneira, sendo que o certo era alguém simplesmente dar certo de qualquer maneira e aí sim você fazer a pessoa ser da sua vida.
Voltei pra casa dando 100% de razão a ele e pensando quão ridículo é o desespero. Sim, eu já tenho 27 anos, não suporto nem ouvir a palavra “balada”, tenho pavor de jovens bobos e perdidos pela noite, estou sem saco para sexo sem amor e estou louca para encontrar alguém que queira construir uma vida comigo, dividir coisas, crescer juntos e... tá bom, vai, eu confesso: meus hormônios clamam por uma família, ainda que eu não esteja lá muito preparada para isso.
Mas essa vontade não pode ser forte o suficiente para que eu simplesmente pegue o primeiro coitado que aparecer querendo se divertir e coloque todo esse peso sobre ele. Esse desejo não pode ser grande o suficiente para que eu coloque em um homem que não tem nada a ver comigo a aura do homem perfeito e fique cobrando isso dele 24 horas por dia.
Mas e o que eu faço então da minha vida se esse cara aparecer só daqui 50 anos ou simplesmente não aparecer? E se eu nunca conhecer alguém legal que traga o troço todo das respostas, acalantos e complementos para a minha metade angustiada?
Sábado eu acordei bem cedo e fui sozinha para a minha aula de meditação, sai de lá com uma alegria simples e profunda de quem apenas é e não precisa ser nada para ninguém. Depois tava um friozinho com sol e eu resolvi almoçar com a minha mãe naquele restaurante cheio de árvores e pessoas bonitas. Olhei bem para a minha mãe e senti uma saudade imensa dela: fazia pelo menos uns dez anos que eu não a via mesmo morando com ela e a vendo todos os dias.
Resolvi ir sim no churrasco da minha amiga que mora do outro lado da cidade, por que não? Ela é das amigas mais antigas e merece que eu atravesse a cidade. A mãe dela, entre um doce e outro que tentou me empurrar, disse “quem diria que aquela gorducha de Maria Chiquinha ia virar uma moça tão talentosa?”. Estar dentro do meu mundo e da minha história me deu uma ótima sensação de paz, tudo ia dar certo.
Depois passei pra ver meu pai e o Nestor, seu cãozinho que se mija todo e fica de pau duro quando vê mulher. Meu pai olha pra ele como uma criança e foi bom passar algumas horas ao lado de um homem que sempre vai me amar exatamente como eu sou, mesmo ele não sabendo disso direito.
Fui ao cinema com meu novo amigo Fábio e ganhei uma calcinha da Betty Boop com o seguinte cartão “para a única mulher que me faz feliz mesmo nunca dando para mim”. Depois de mais um genial filme argentino, a gente experimentou todos os perfumes de uma loja fina e não levou nenhum, mas estávamos muito cheirosos e não podíamos voltar para casa. Fomos comer pizza até estourar.
A noite peguei a Lolita, minha cachorra que me ama até com remela, bafo e prisão de ventre e juntas lemos algumas páginas do “O Anjo Pornográfico”. Esse sim era o homem da minha vida.
Eu não preciso controlar a vida, meus hormônios, meu futuro, os outros, minha felicidade. Eu só preciso levar a vida, eu só preciso desfocar do sonho que me deixa míope e enxergar além, ou melhor: enxergar o que está na minha cara. Ver o quanto o resto todo já é perfeito e está lá, eu já conquistei, é meu.
Antes de dormir rezei, mas dessa vez não pedi o moço de cavalo branco (carro do ano) e da espada gigante (vocês entenderam), apenas agradeci por estar me sentindo tão inteira, feliz, em paz e, principalmente, por não precisar de ninguém ao meu lado para estar bem.
Mas no fundo, no fundo, confesso: pensei também que quanto mais inteira, feliz, tranquila e independente eu for, mais chances eu tenho dele aparecer. Vício é vício.
 

Romântica pra cacete

Nem todo dia tem Sol, nem toda sobremesa é cheese cake e nem toda relação homem e mulher é romance.
E você vai fazer o quê?
Vai se matar por causa do cinza acima da sua cabeça? Vai tremer hipoglicêmica e carente porque só sobrou torta holandesa? Vai se manter virgem e intacta até aparecer o homem que vai te dar uma casa com cerquinhas brancas, cachorrinhos e bebês?
Claro que não, você vai viver a vida, curtindo o que ela tem de melhor. E o que um bonitão que só quer te comer pode ter de melhor? Bom, eu poderia fazer uma lista. Mas a droga do romance estraga tudo isso, a droga dos filmes românticos nos enganam como as propagandas de cerveja que enchem de gostosas os babacas segurando um copinho.
Por que raios a gente tem de romantizar qualquer demonstração de carinho de um homem se na maioria dos casos eles só querem nos comer? E por que ficamos tão putas se eles apenas nos comem e caem fora?
Quem disse que eles são obrigados a nos amar eternamente só porque conheceram de perto a nossa beleza interior? E, finalmente: que mal há em sermos gostosas e os homens quererem nos comer? Por que isso parece ofensivo? Por que nos sentimos usadas se ambos estão lá de livre e espontânea vontade?
Isso é herança das mulheres pudicas, sonhadoras e donas de casa do século passado ou a célula do romance vai eternamente se multipilcar e passar de geração em geração através das mulheres?
Eu tento, juro que tento. Mas a droga do romance não me deixa em paz.
É uma praga.
Conscientemente eu sei que nem todos os caras querem namorar comigo, e mais conscientemente ainda eu sei que eu também não quero namorar com a maioria deles. Mas lá dentro fica a dúvida: será que fui usada?
Da onde vem esse sentimento fraco, submisso, antigo, arcaico, pobre e idiota de que numa relação sexual o homem é o dominante que come e a mulher a coitada que é comida? E por que se ele te tratou tão bem, com tanto carinho e respeito, só quis te comer e caiu fora? Precisava se dar tanto trabalho?
A vida é complicada. E a vida é complicada porque nós mulheres romantizamos tudo, ou quase tudo. Ou justamente o que não deveríamos.
A gente faz planos mesmo em cima dos silêncios deles. A gente vê beleza em cada sumiço. A gente vê olhares de amor no mais puro olhar de tesão. A gente acaba de trepar e é batata: deita no peito deles!
Ah, o romance! Mulher que é mulher não consegue fugir de um.
Você vai para o banho super senhora de si, mas enquanto a água escorre, você fica na dúvida entre se ele vai ligar no dia seguinte e o nome dos filhos. Será que ele vai ter os olhos do pai?
Eu cansei de ser assim, por que não consigo ver os homens como diversão se eles conseguem tão facilmente nos ver assim? Por que não posso aceitar que nem tudo é romance?
Por que a droga da chuva me lembra todas as vezes que eu voltei para casa sonhando e no dia seguinte me deparei com a frieza do dia seguinte?
Aonde está você pelo amor de Deus! Aonde está você? Não vê que estou cansada de pertencer a todos e não ser de ninguém? Não vê que minha devolução me enfraquece cada vez mais em me entregar?
Não vê que na loucura de te encontrar não meço as entregas? E elas nunca são entregas porque eles nunca são você.
Porque comecei este texto tão bem e mais uma vez esqueci de ser a mulher moderna que eu tanto gostaria de ser para lembrar a mulher romântica que espera por você a cada esquina, a cada decote, a cada riso nervoso que solto em forma de grito à espera do seu socorro.
Eu vou continuar vendo você em todos esses crápulas que fingem ser você para vulgarizar o meu amor. Eu vou continuar cheirando você em todos esses suores fugazes que me querem num conto pequeno. Eu vou continuar lendo a nossa história em contos pequenos.
Cadê você que some a cada som que não me procura? Cadê você que parece ser e nunca é porque desaparece no cansaço das relações?
O meu amor acaba por todos, a minha espera cansa por todos, a minha raiva ameniza por todos. Mas a minha fé por você cresce a cada dia.
Eu posso transar no primeiro encontro, eu posso transar por transar. Eu posso trepar. Eu posso te encontrar num flat na hora do almoço para uma rapidinha. Eu posso reclinar o banco do meu carro e mandar ver. Eu posso deixar você não me beijar na boca. Eu posso aceitar que você nunca me leve de mãos dadas a um cinema. Eu posso ser uma noite e nada demais. Eu posso ser um banheiro e nada mais. Eu posso ser nada mais.
Mas eu nunca, em nenhum momento, deixo de romantizar a vida, cada segundo, por mais podre que seja, dela. Eu nunca deixo de procurar você. Eu nunca deixo de acreditar que você exista, e eu nunca deixo de acreditar que você faz o mesmo a minha espera.

O mau elemento

Eu olho pra sua tatuagem e pro tamanho do seu braço e pros calos da sua mão e acho que vai dar tudo certo. Me encho de esperança e nada. Vem você e me trata tão bem. Estraga tudo. Mania de ser bom moço, coisa chata. Eu nunca mais quero ouvir que você só tem olhos pra mim, ok? E nem o quanto você é bom filho. Muito menos o quanto você ama crianças. E trate de parar com essa mania horrível de largar seus amigos quando eu ligo. Colabora, pô. Tá tão fácil me ganhar, basta fazer tudo pra me perder. E lá vem ele dizer que meu cabelo sujo tem cheiro bom. E que já que eu não liguei e não atendi, ele foi dormir. E que segurar minha mão já basta. E que ele quer conhecer minha mãe. E que viajar sem mim é um final de semana nulo. E que tudo bem se eu só quiser ficar lendo e não abrir a boca. Com tanto potencial pra acabar com a minha vida, sabe o que ele quer? Me fazer feliz. Olha que desgraça. O moço quer me fazer feliz. E acabar com a maravilhosa sensação de ser miserável. E tirar de mim a única coisa que sei fazer direito nessa vida que é sofrer. Anos de aprimoramento e ele quer mudar todo o esquema. O moço quer me fazer feliz. Veja se pode. E aí passa a maior gostosa na rua e ele lá, idolatrando meu nariz. E aí o celular dele toca e ele, putz, perdeu a ligação porque demorou trinta mil horas pra desvencilhar os dedos do meu cabelo. Com tanto potencial pra me dar uns tapas, o moço adora me fazer carinho com a ponta dos dedos. Não dá, assim não dá. Deveria ter cadeia pra esse tipo de elemento daninho. Pior é que vicia. Não é que acordei me achando hoje? Agora neguinho me trata mal e eu não deixo. Agora neguinho quer me judiar e eu mando pastar. Dei de achar que mereço ser amada. Veja se pode. Trinta anos servindo de capacho, feliz da vida, e aí chega um desavisado com a coxa mais incrível do país e muda tudo. Até assoviando eu tô agora. Que desgraça. Ontem quase, quase, quase ele me tratou mal. Foi por muito pouco. Eu senti que a coisa tava vindo. Cruzei os dedos. Cheguei a implorar ao acaso. Vai, meu filho. Só um pouquinho. Me xinga, vai. Me dá uma apertada mais forte no braço. Fala de outra mulher. Atende algum amigo retardado bem na hora que eu tava falando dos meus medos. Manda eu calar a boca. Sei lá. Faz alguma coisa homem! E era piada. Era piadinha. Ele fez que tava bravo. E acabou. Já veio com o papo chato de que me ama e começou a melação de novo. Eita homem pra me beijar. Coisa chata. Minha mãe deveria me prender em casa, me proteger, sei lá. Onde já se viu andar com um homem desses. O homem me busca todas as vezes, me espera na porta, abre a porta do carro. Isso quando não me suspende no ar e fala 456 elogios em menos de cinco segundos. Pra piorar, ele ainda tem o pior dos defeitos da humanidade: ele esqueceu a ex namorada. Depois de trinta anos me relacionando só com homens obcecados por amores antigos, agora me aparece um obcecado por mim que nem lembra direito o nome da ex. Fala se tão de sacanagem comigo ou não? Como é que eu vou sofrer numa situação dessas? Como? Me diz? Durmo que é uma maravilha. A pele está incrível. A fome voltou. A vida tá de uma chatice ímpar. Alguém pode, por favor, me ajudar? Existe terapia pra tentar ser infeliz? Outro dia até me belisquei pra sofrer um pouquinho. Mas o desgraçado correu pra assoprar e dar beijinho.

Estar sozinho

Estar sozinho é engraçado, louco, angustiante, libertário e triste,
tal qual estar com alguém.
No entanto, estar sozinho é absolutamente o oposto de estar com alguém.
Estar sozinho é fechar as mãos no nada quando se atravessa a rua correndo e não se tem uma mão para segurar.
É acordar sem saber o que será do dia porque planejar sozinho dá preguiça
A vida simplesmente acontece para quem está sozinho, às vezes sem que a gente perceba, pois é mais fácil ter noção de si mesmo através de outra pessoa.
É o doce que substitui mal e amargamente o sexo.
Estar sozinho, ou estar sozinha, pode acontecer com qualquer um.
E você torce para que aconteça com a sua melhor amiga, ou com aquele homem que você gostaria de experimentar como uma pílula para a sua solidão.
Estar sozinha é não suportar ouvir a palavra solidão porque ela faz sentido.
É conferir a caixa de e-mails com uma freqüência que beira a compulsão.
É chorar do nada. É acordar do nada. É morrer de medo do nada que fica no estômago.
Estar sozinho é uma coisa física, ou melhor, é a falta dela.
Você se sente oco por dentro, por isso aquele respiro profundo de lamentação.
Quando chove, venta, escurece, e você está sozinho, você lembra de Deus
e do quanto é pequeno.
Estar sozinho é detestar ficar em casa.
Ficar em casa sozinho, quando se está sozinho, é muita solidão.
É estar pronta para algo novo e não agüentar mais dias iguais.
É ocupar a vida dos outros com reclamações, lamentações, dúvidas e carências.

Resumindo:
estar sozinho é triste, enche o saco dos outros e deve fazer mal para a saúde.

Moby dick invade Nova York

Começou assim: eu subi as escadas e lá estava você, querendo parecer jovem com uma camiseta brega manchada de pasta de dente. Eu caí da escada e demorei anos pra me levantar.
Eu te amava com uma mistura de todos os meus personagens e, por isso, tão intensamente. Eu era uma menina deslumbrada que amava ver suas invenções por aí, era uma menina carente que amava seu jeito de pai, uma mulher em formação que se formou com você, uma depressiva neurótica que precisava das suas piadas que deixavam tudo leve, até sua ausência e impossibilidade eu amava com toda a minha vontade de grudar em você pra sempre. Até que cheguei ao ponto de te amar sei lá por que, o que deve ser o verdadeiro amor. Eu nunca dormi de verdade ao seu lado para não perder nenhum dos segundos rápidos e preciosos que você me dava. Eu queria suas malas perdidas e suas lacunas falsamente calmas num canto descascado de uma sala morta, esperando a minha vida e a minha cor. Agora elas estão lá, e eu nem sinto vontade de saber onde.
Por que raios você foi ultrapassar a linha da minha espera como alguém que testa sem intensidade o meu amor? Um dia seu cheiro começou a me dar um azedo na alma. Seu jeito, uma preguiça de me encantar. Suas palavras, um zumbido chato que me animava a prestar atenção em outra coisa. Era o instinto me dizendo que não dava mais pra sofrer. Amor também morre de saudade, sabia? E eu tinha saudade de te amar pura. Depois de levantar duzentas vezes e ir para o canto do ringue, cuspir sangue e ouvir a torcida dentro do meu coração gritar pedindo mais, eu fui a nocaute.
Você sabia melhor do que ninguém que a felicidade me esmagava e eu ficava ainda mais carente quando ganhava carinho. Por isso você era em doses homeopáticas a pessoa mais carinhosa do mundo e também o ser mais frio do planeta. Muito em pouco, o máximo no mínimo, quase nunca pra sempre, nunca mais todos os dias.
Mas agora você se distrai com as três passagens que comprou: uma para você e duas para a sua nova namoradinha, que é tão agraciada com culotes que precisa de dois lugares no avião. Ela não me parece dessas mulheres vaidosas mas, caso seja, e caso use cremes na bunda, sua nécessaire provavelmente será despachada. Não é inveja, nem ciúme, nem dor, é cansaço dessa vida banal que me arrota na cara toda vez que eu engulo ar para aumentar ainda mais a minha intensidade. Por que as pessoas são assim tão esquecíveis, banais e passageiras? Por que planejar uma agenda de motivos para não ser de alguém com medo de se perder? É bode de imaginar patas grosseiras e mal cuidadas de elefante caminhando por seu assoalho que brilha vida nova, é tristeza em saber que suas mãos inchadas do batuque nunca mais vão me assumir, mas desfilam com a porpeta por esse mundinho idiota e fechado em que vivemos, é nojo de imaginar você adentrando naquela caverna gigante, peluda e úmida.
Uga-buga para todos vocês, e fodam-se.

Por favor, diferente

Eu não espero que você seja o-grande-amor-da-minha-vida, parei de acreditar nisso na quinta série quando a moça que trabalhava na biblioteca do meu colégio me disse que estava se separando do marido dela. Meus pais estão juntos até hoje, mas a gente sabe bem como vão as coisas ali. A moça da biblioteca chorou. Não quero que você me faça chorar. Não quero que você seja um motivo ruim na minha vida. Você é motivo de sorrisos, razão pra eu acordar num dia de chuva e tomar banho e mudar de roupa porque eu sei que você vai passar aqui, vai trazer algo congelado pra gente ver ser aquecido no forno e comer enquanto falamos bobagens. Não quero te odiar. Não quero falar mal de você pros outros. Pras minhas amigas. Quero falar mal de você como quem ama. Pois é, Carla, ele nunca lembra de desligar o celular antes de dormir e sempre alguém do trabalho liga. Sabe, eu quero dizer isso. Que o máximo de irritação que você me provoca é me acordar de manhã cedo falando bobagens que parecem ser importantes no celular. Não quero que você me largue. Não quero te largar. Não quero ter motivos pra ir embora, pra te deixar falando sozinho, pra bater o telefone na sua cara. E eu não tenho medo que isso aconteça (eu nunca tenho), eu fiz isso com todos os outros. É só que dessa vez eu queria muito que fosse diferente. Dessa vez, com você, eu queria que desse certo. Que eu não te largasse no altar. Que eu não te visse com outra. Que eu não tivesse raiva. Que você não passasse a comer de boca aberta. Que você entendesse o meu problema com chãos de banheiro molhados pra sempre. Que você gostasse e cuidasse de mim como disse ontem à noite que cuidará. Eu quero que dê certo, não estraga, por favor. Não estraga não estraga não estraga. Posso pôr um post-it na sua carteira? Mesmo que a gente não fique juntos pra sempre. Mesmo que acabe semana que vem. Nunca destrua o meu carinho por você. Nunca esfrie o calorzinho que aparece dentro de mim quando você liga, sorri ou aparece no olho mágico da minha por minha porta. Mesmo que você apareça na porta de outras mulheres depois de me deixar. Me deixe um dia, se quiser. Mas me deixe te amando. É só o que eu peço.

Batata-frita

Sempre achei que esse amor era coisa de quem não tinha nada melhor para fazer. Eu só o sentia porque estava infeliz naquela agência chata. Só por isso.
Saí, afinal, da agência chata. E comecei a trabalhar em casa. Amor é coisa de gente “firma” e agora que eu mandava na minha vida, poderia, finalmente, mandar esse amor embora. Tchau, coisinha besta.
Nada feito. Só piorou. Acordava e ia dormir com ele engasgado aqui. Ficava inconformada. Mas aí concluí: amor é coisa de quem tem tempo pra pensar nele. Claro, eu fico em casa o dia todo, no silêncio das minhas coisas, claro que acabo pensando besteira. Aquele papo de mente desocupada casa do diabo, sabe? Amor do diabo. Fui procurar Jesus.
Depois de dez passes e de ler todo o Evangelho Espírita, achei que ficaria tudo bem. Ficou nada. Eu só parei de sonhar que botava fogo na casa do ser amado ou que arrancava os olhos de todas as mulheres do mundo. Parei, talvez, de odiar o amor. Mas o amor, na verdade, ficou lá. Duro que nem pedra. Daqueles que não vão embora nem com reza brava.
Amor adolescente, pensei. Com certeza, se eu virar mulher, esse amor bobinho passa. Amor de menina boba. Tratei, então, de virar mulher. Quem sabe mudando de casa, esse amor não se mudava de mim?
Nada feito. Casa nova, cama nova, novas contas pra pagar. E o mesmo coração idiota. O mesmo amor de sempre. Coisa chata, não?
Mas amor é coisa de Zé povinho. Coisa de quem tem o cabelo ruim e nunca andou de avião. Foram 400 paus na progressiva de chocolate e mais muitos mil euros, dólares e até pesos pra conhecer lugares do mundo que eu sempre quis. E o amor? Foi junto. Acordou, dormiu, fez malas, tirou fotos, mudou de cabelo. O amor não foi pelo ralo junto com a química fedida do meu cabelo.
Ah, que que é isso! Amor deve passar com um novo amor, não? Olha lá aquele menino bonito te olhando, o outro que escreve bonito, o outro que fala cheio de xis, tem também aquele ali, com mão firme. Nada. Nenhum deles foi capaz de me salvar, de substituir minhas células cansadas em sentir sempre a mesma coisa. Nenhum foi capaz, nem por um segundo, de me levar para passear em outros tormentos. Ou outras alegrias. Qualquer outra coisa que seja.
Aí veio a idéia brilhante. Será que se eu mergulhasse de cabeça na estupidez desse amor, não me curava? Será que se eu, por um minuto apenas, parasse de sentir tudo isso de dentro da grandiosidade que eu inventei para tudo isso e enxergasse de perto como tudo é tosco e pequeno, eu não me curava?
Só piorou. De frente para ele e suas constatações tão absurdas a respeito de tudo, só consigo sentir ainda mais amor. E quanto mais e maiores motivos para não sentir, ele e a vida me dão...adivinhem? Sim, o amor cresce. Irresponsável, sem alimento, sem esperança e de uma burrice enorme. Ainda assim, forte e em crescimento.
Mas esse amor, ah, esse amor é coisa de quem não ama a própria vida. Se um dia, um dia eu pudesse realmente ser uma escritora. Ou até, nossa, se eu pudesse escrever pra televisão sabe? Esse amor iria embora, claro.
Nada feito. Escrevo essas linhas de frente para um lindo jardim, que fica dentro de uma emissora de tv. Acho que a melhor e a maior delas. Estou aqui graças ao livro que escrevi. Tudo certo com a minha vida. Ou quase tudo certo. Ainda sinto esse amor ridículo. Essas coisa infernal que me vence todos os dias, todos os minutos.
Mas olha lá quem chegou. Aquele cantor que agora é ator e autor. Aquele que cantava “você venceu, batata frita”. Taí. O amor venceu. Você venceu. Venceu. Venceu. Venceu.
E eu acabo de descobrir, simples assim, a única maneira de me livrar desse sentimento: aceitando ele, parando de querer ganhar dele.
Te amo mesmo, talvez pra sempre. Mas nem por isso eu deixo de ser feliz ou viver.

Assumindo o ET pirocudo

Ontem foi o meu aniversário. Vinte e nove anos. Não to exatamente onde eu queria estar (fama, glamour, sucesso, machos incríveis, bunda maravilhosa, ilha de Caras, semblante enigmático que o mundo tenta decifrar) mas to muito além do que pensava quando pensava como eu estaria com vinte e nove anos.
Aí lembrei da história do duende pirocudo.
Em São Paulo, mais especificamente na Vila Madalena, tinha um tiozinho, que eu acho que até já morreu, que perambulava pelos bares vendendo um ET pirocudo. Mas era duende ou ET, Tati? Sei lá, o fato é que era pirocudo.
E um ex namorado meu, que não era pirocudo, entrou numa de fazer graça para os amigos de boteco e me deu de presente a porra do boneco verde pirocudo. E eu, achando graça, botei a porra do boneco pirocudo em cima da minha mesa, na época que eu era estagiaria da W/Brasil. Isso faz dez anos.
Aí o Rodrigo, que era um redator que tinha na W/ e que era pica grossa, um dia me chamou na mesa dele e falou “olha, minha filha, se um dia você for alguém, se um dia alguém souber quem você é, se um dia você for fodona, você bota a porra de um ET pirocudo na sua mesa e foda-se o mundo, mas antes desse dia, enquanto você é só uma estagiária, é melhor tirar essa porra daí que pega mal”.
Eu lembro que ensaquei a porra do duende como quem enfia o rabinho verde entre as pernas e nunca mais apareci com ele por lá. Achei que ele, o Rodrigo, tinha razão e continuo achando.
Mas hoje, no meu aniversário de vinte e nove anos, resolvi que chegou a hora de reverter essa situação.
Eu definitivamente não preciso mais esconder a minha piroca verde. Quer saber? Eu finalmente sou alguém e sou foda! Chegou a hora de botar o pau verde pra fora. O pau verde na mesa. De matar a cobra e mostrar o pau verde.

Nem sei mais por onde anda a porra do presente bizarro que meu ex namorado me deu e causou tanto mal estar na W/Brasil (acho que minha empregada do Reino de Deus jogou fora), mas sei que chegou a hora de assumir outros monstros verdes e pirocudos. Maiores, mais verdes e mais pirocudos.
Chegou a hora de assumir, por exemplo, o meu peculiar jeito de ser. Mal humorada com sons, principalmente os relacionados a gente que não sabe comer (comida) ou beijar sem estalar a língua. Fresca com comida, de preferência as que esperam você cheias de perdigotos em self-service gordurosos ou, pior, são trazidas pelo garçom que insiste em botar o dedão dentro do prato.
Sensível pra cacete, maldosa na mesma intensidade, feliz de andar cantando e depressiva de nunca achar que uma janela é só uma janela. E cheia de manias bem estranhas do tipo almoçar em livrarias quando estou catatônica demais para digerir comidas. Não sei por que mas sempre acho que dentro de uma livraria todo o peso do mundo é chupado pelos livros e eu posso flutuar em paz. Comer em paz. Folhear a vida sem medo de ser puxada pra dentro.
Eu sou sim a pessoa que some, que surta, que vai embora, que aparece do nada, que fica porque quer, que odeia a falta de oxigênio das obrigações, que encurta uma conversa besta, que estende um bom drama, que diz o que ninguém espera e salva uma noite, que estraga uma semana só pelo prazer de ser má e tirar as correntes da cobrança do meu peito.
Que acha todo mundo meio feio, meio bobo, meio burro, meio perdido, meio sem alma, meio de plástico, meia bomba. E espera impaciente ser salva por uma metade meio interessante que me tire finalmente essa sensação de perna manca quando ando sozinha por aí, maldizendo a tudo e a todos. Eu só queria ser legal, ser boa, ser leve. Mas dá realmente pra ser assim?
Eu sou essa pessoa. Que não faz questão de ver quem a minha mente castradora me manda amar e que simpatiza, ainda que por alguma doença, com quem me judia aos pouquinhos.

Que quer matar a velhinha que demora horas para descer as escadas e segundos depois carrega a porra da velhinha no colo e chora sensibilizada pelas fragilidades do mundo. Eu só queria que tudo fosse belo, cheirasse bem e tivesse o brilho de um fim de tarde com bebezinhos sorridentes. Mas o mundo, as pessoas, as validades, tudo expira, tudo cai, os mitos viram defeituosos, as fortalezas de vidro vagabundo, tudo perde o encanto. E para mim, aceitar tudo isso ainda é comer o feijão com pressa e entupir uma narina. Não entra direito.
E eu volto a focar o lixo ainda que tenha um mar ao fundo. Eu volto a focar o mijo, ainda que tenha a brisa e a maresia em todos os lugares. Eu volto a focar o crime, a criança descalça, os olhos adultos de ódio em corpinhos de cinco anos, ainda que tenha a Adriane Galisteu correndo ao meu lado. Eu volto a focar o vazio e essa imensa tristeza sem motivo dentro do meu peito, ainda que o Cristo me mande um abraço aberto não muito longe dali.
Eu sou essa pessoa. Que deixa doer porque esse é o único esporte que se pode fazer deitada e que dorme demais como uma resposta blasé a esse mundo que pensa mandar em mim o tempo todo.
Piroca verde. Piroca verde. Com medo das paredes fecharem e meus amigos não me amarem mais. Com medo de sentir tanto, tanto, a vida, e vomitar em cima do mundo. Com medo de quase tudo o que se mexe e muito mais do que não se mexe. Mas com uma curiosidade que cura e emudece qualquer pânico. Chegar do outro lado sempre ganha de permanecer e se afogar, ainda que eu engula um pouco de água para pedir socorro em prestações e jamais precisar do definitivo.
Chegou a hora de botar meu duende e meu ET verde em cima da mesa. Pendurar no pescoço. Equilibrar em cima da cabeça. Essa sou eu. Preconceituosa. Com preguiça de gente brega, de gente pobre de viço, que compra Caras pra se sentir mais viva porque não tem uma vida própria.

Com preguiça dos grupinhos de gente rica que ri aristocraticamente e, mesmo tendo um currículo de mil viagens à Europa, não entendeu nada do que é ter um ou outro comentário próprio a respeito do que vê. E também compra Caras. Eu também, de vez em quando, compro Caras. E também tenho preguiça de mim.
Essa sou eu. Andando rápido por aí. Um pouco de olheira. Com uma tromba imensa, pois me protejo de tudo e odeio quem passa por mim. Qualquer esquina pode ser o fim. Andando lenta, fazendo amizade na banca de jornal, a espera da esquina que mude meu caminho e me ajude a ter menos medo.
Piroca verde, não me deixe mais sorrir quando quero mandar se foder. Não me deixe mais presa em filas, quando tudo o que eu quero é não mais pertencer ou provar. Apenas pensar na vida, usar meus cremes, botar uma meia, fazer minha massa ruim com legumes, assistir Sopranos e sei lá porque sentir uma alegria que poucas vezes senti ao longo da vida. Ficar comigo, só comigo. E sorrir pensando que um dia alguém tão bacana quanto eu poderia se deitar ao meu lado pra gente ser tão especial juntos.
Não me deixe mais paquerar qualquer cara bobo, mal vestido, sem assunto e sem magia só porque preciso de algum bosta me ligando pra me sentir mais mulher. Isso é coisa de gente imoral, de gente com mais medo da solidão do que o auge do meu medo da solidão. Não me deixe mais confundir amor com ego e ficar aprisionada tantos bons anos num rapaz tão comum. Comum ao ponto de eu querer ser tão comum quanto ele só porque, para mim, isso é ser diferente. E sair do meu corpo, como se eu tivesse experimentado algum alucinógeno pra sentir de perto como é passar a vida rindo e indo a festas como todo mundo.

Que perda de tempo não me amar absurdamente. Não me validar absurdamente. Que perda de tempo. Piroca verde, você foi posta pra fora em boa hora. Eu nunca amei tanto cada defeito e bizarrice minha. E não me pergunte o motivo pois daria outro texto enorme que não leva a lugar nenhum. É a maravilha de estar com quase trinta anos e poder ser triste, perturbada, estranha e má em paz. E poder ser tudo isso com tanta autenticidade e com tanta entrega, que tudo perde sua força, seu peso e não passa de um bom motivo pra rir e continuar em frente. Em frente com os meus maravilhosos ETS, duendes e pirocas verdes.

Eu nunca vou entender

Mais um domingo que você me liga. Igual faz a uns quatro ou cinco anos. Você beija a sua mãe depois do churrasco, dá um oi carinhoso e finalmente pensa sem culpa na sua ex, cheira sua camiseta pra ver se a coisa tá muito feia e descobre que sua vida está prestes a ficar vazia: chegou a hora de me ligar.
Você não sabe ao certo o que vê em mim, mas também não sabe ao certo o que não vê. Você sabe que pode ter uma mulher mais gostosa do que eu, mas por alguma razão prefere a gostosa garantida, aquela que ainda ri das suas piadas. Mesmo sendo as mesmas piadas há quatro ou cinco anos.
Aí você me liga, com aquele ar descompromissado e meigo de quem só quer ir no cinema com uma velha amiga. Eu não faço a menor idéia do que vejo em você, mas também não faço idéia do que não vejo. Eu posso ter um cara mais gostoso, como de fato já tive milhares de vezes. Mas por alguma razão prefiro suas piadas velhas e seu jeito homem de ser. Você é um idiota, uma criança, um bobo alegre, um deslumbrado, um chato. Mas você é homem. E talvez seja só por isso que eu ainda te aguente: você pode ter todos os defeitos do mundo, mais ainda é melhor do que o resto do mundo.
Aí a gente, sem saber ao certo o que está fazendo ali, mas sem lugar melhor para estar, acaba pulando o cinema que nunca existiu e indo direto ao assunto. O mesmo assunto de quatro ou cinco anos que, assim como as suas piadas, nunca cansam ou enjoam.
E aí acontece um fenômeno muito estranho comigo. Mesmo quando não é bom, mesmo quando cansado e egoísta você não espera por mim e vira pro lado pra dormir ou pra voltar à sua bolha egocêntrica de tudo o que é seu, eu sempre me apaixono por você.
Todas as vezes que te vi, nesses últimos quatro ou cinco anos, eu sempre me apaixonei por você. Eu sempre estive pronta pra começar algo, pra tomar um café de verdade, pra passear de mãos dadas no claro, pra poder te apresentar ao sol sem receber mensagens de gente louca ou olhares curiosos, pra escutar uma piada nova.
E você sempre ignorou esse fato, seguindo seu caminho que sempre é interrompido pelo vazio da sua camiseta fedendo a churrasco. Eu nunca vou entender. Eu nunca vou saber porque a vida é assim. Eu nunca vou entender porque a gente continua voltando pra casa querendo ser de alguém, ainda que a gente esteja um ao lado do outro. Eu nunca vou entender porque você é exatamente o que eu quero, eu sou exatamente o que você quer, mas as nossas exatidões não funcionam numa conta de mais.
Eu só sei que agora eu vou tomar um banho, vou esfregar a bucha o mais forte possível na minha pele e vou me dizer pela milésima vez que essa foi a última vez que vou ficar sem entender nada. Mas aí, daqui uns dias, igual faz há uns cinco ou seis anos, você vai me ligar. Querendo pegar aquele cineminha, querendo me esconder como sempre, querendo me amar só enquanto você pode vulgarizar esse amor. Me querendo no escuro. E eu vou topar. Não porque seja uma idiota, não me dê valor ou não tenha nada melhor pra fazer. Apenas porque você me lembra o mistério da vida. Simplesmente porque é assim que a gente faz com a nossa própria existência: não entendemos nada, mas continuamos insistindo. “

Todo Mundo Vai Embora

Em algum momento, em vários deles ou definitivamente, as pessoas sempre vão embora. Talvez essa seja a pior coisa do mundo. Ele vai embora, sempre, quando eu preciso de quinze minutos de silêncio complementar à minha entrega, odeio o desespero dele por banhos e a sua ansiedade curiosa pelo que vem depois. Que se dane o depois, eu sou agora, ou pelo menos era. Ele vai embora, sempre, quando o parágrafo passa de três linhas, o pensamento dele ultrapassa meus olhos, o som se perde da minha boca para qualquer outro canto do mundo que não tenha seus ouvidos e ele olha fixamente para qualquer outra coisa que não seja a minha existência. Sempre a mesma cara de tédio e de busca pelo resto que não se repete ou não se prolonga. Ele sempre vai embora quando eu queria que ele se perdesse um pouco, rasgasse a agenda, lançasse o celular no rio, desligasse todos os toques, luzes e sinais de que há todo o resto. Esquecesse do sono, do livro, da planta, das lembranças. Ele sempre vai embora do meu mundo quando eu só queria que ele descansasse um pouco de ser ele o tempo todo, mas ele tem muito medo de não ser ele, talvez porque ele não saiba o que ele é. Ele sempre vai embora pra descobrir quem ele é, ou para lembrar que ele é o mesmo de sempre que não sabe quem é, ele sempre vai embora antes da gente ser alguma coisa juntos. Vivo com essa sensação de abandono, de falta, de pouco, de metade. Mas nada disso é novidade. Antes dele, teve o outro, o outro que continua indo embora para sempre porque nunca foi embora pra sempre. Eu não sei deixar ninguém partir, eu não sei escolher, excluir, deletar. São as pessoas que resolvem me deixar, melhor assim, adoro não ser responsável por absolutamente nada, odeio o peso que uma despedida eterna causa em mim. Nada é eterno, não quero brincar de Deus.
O outro foi embora a primeira vez porque estava bêbado demais, foi embora a segunda porque ficou tarde, foi embora a terceira porque teve medo de ficar pra sempre, foi embora durante alguns longos anos porque todo o resto do mundo precisava dele e eu era apenas uma das demandas. Ele me chamou de demanda a última vez que foi embora pra sempre, mas pra sempre pode durar duas horas, dois anos ou duas encarnações. A gente sempre se despede lembrando da música do Chico que diz “o amor não tem pressa, ele sabe esperar em silêncio”. Antes dele teve ainda um outro que sempre ia embora na espera de que existisse algo melhor do que eu, mas não ia definitivamente porque não é todo dia que aparece alguém melhor do que eu. Um dia apareceu, ela até que é bonita e tal, não parece tão confusa e intensa e talvez mediocridade seja tudo de que uma pessoa precise para ser feliz. Mas a última vez que ele foi embora, antes me deu um abraço de quem nunca saiu do mesmo lugar. O abraço e o seu olhar de quem nunca sabe direito porque vai embora ficaram pra sempre comigo. Hoje meu novo amigo foi embora, não pra sempre, mas um segundo pode ser pra sempre se pensarmos grandiosamente, e ele me dá vontade de pensar grandiosamente. Fazia tempo que alguém não ficava tão calado enquanto eu apenas existo, fazia tempo que alguém não ficava tão perdido só porque me encontrou, fazia tempo que eu não me olhava no espelho e sorria, sabendo que sim, sim, sim, sou bonita ora bolas! Sou interessante! Da onde eu tinha tirado o contrário nos últimos meses? Todo mundo chega na sua vida. Em algum momento, em vários deles ou definitivamente, as pessoas sempre chegam. Talvez essa seja a melhor coisa do mundo. Como naquele texto que não lembro, daquela pessoa que não lembro, e sobre o qual você me contou de um jeito que eu nunca mais vou esquecer, no final a gente acaba mesmo numa esquina qualquer, lembrando de alguém que um dia chegou e depois foi embora, perplexo.

DIGA NÃO AOS COVARDES

Um brinde aos passos minúsculos desses seres rastejantes. Andam na velocidade de uma boa notícia quando a ansiedade já extrapolou a lógica da espera.
Chega de meias bocas pra preencher profundos vazios. Meias bocas para beijar entradas inteiras. Meios beijos de respeito na testa. Meias palavras para dizer alguma coisa que, feita a análise fria, nada querem dizer.
Intenções soltas e desejos desconexos. Esse mistério todo é uma violência contra a minha inteligência. Sejamos diretos para não sermos idiotas: eu te quero. Você me quer? Não sabe? Ah, então vá pra puta que te pariu. (E vá ser vago na casa da sua mãe porque embaixo da sua manga eu não fico mais!)
Este rebolado colorido que descola de seu cenário pastel, vem de meu ventre. Livre. Portanto não tente me escravizar, nem com promessas, intelectualidades, ou uma pegada daquelas.
Este rebolado é quase que instintivo, meu jeito, nada sutil, apesar de ser essa a intenção, de te mostrar que há chances de ultrapassagem.
Seja inteligente, faça jus à espécie, seja Sapiens. Perceba o sinal verde, ultrapasse.
Não sabe se quer acelerar o motorzinho? Então vá treinar com uma boneca, uma revista, uma prima, a chata da sua mulher, a sem-sal da sua namorada ou o raio que os parta todos os mornos.
Eu não sou morna e, se você não quiser se queimar, morra na temperatura do vômito. E bem longe de mim.
Ou venha me ajudar a ferver essa banheira. Vamos ficar cegos de vapor e vermelhos de vida. É sangue que corre nos meus sentimentos e não o enjôo morno de uma vida que se vai empurrando com a barriga.
Barriga que vai crescer no sofá imundo dos acomodados.
Eu ainda quero muito. Quero as três da manhã de um sábado e não as sete da tarde de uma quarta. Vamos viver uma história de verdade ou vou ter que te mandar pastar com outras vaquinhas?
Docinho vá fazer pra quem gosta de lamber o seu cuzinho, porque aqui nessa boquinha só entra cher nourriture . Vá contar esse seu papinho de "Hey, you never know" pra quem conta com a sorte e sabe esperar.
A sorte é sua de ser amado por mim e eu quero agora, ontem, semana passada.
Amanhã não sei mais das minhas prioridades: posso querer dormir com pijama de criança até meio-dia, pagar 500 reais numa saia amarela, comer bicho-de-pé no Amor aos Pedaços ou quem sabe dar para o seu chefe em cima da mesa dele.
Minha vontade de ser feliz é como a sua de gozar. E se eu te iludisse de tesão e levantasse rápido para retornar a minha vida? Você continuaria se fodendo sozinho para fugir da dor: é assim que vivo, masturbando minha mente de sonhos para tentar sugar alguma realização. É assim que vivo: me fodendo.
Chega de ser metade aquecida, metade apreciada, metade conhecida. Chega de ser metade comida em meios horários e meio amada em histórias pela metade.
Chega de sorrir para o que não me contenta e me cobrar paciência com um profundo respiro de indignação. Paciência é dom de amor aquietado, pobre, pela metade. Calma, raciocínio e estratégia são dons de amor que pára para racionalizar. Amor que é amor não pára, não tem intervalo, atropela.
Não caio na mesma vala de quem empurra a vida porque ela me empurra. Ela faz com que eu me jogue em cima de você, nem que seja para te espantar.
Melhor te ver correndo pra longe do que empacado em minha vida.