Certa vez um diretor de teatro cismou comigo. Ah, seus textos isso, seus textos aquilo. Sua foto isso. Você, Tati. Ah, que mulher. E durante quatro meses ele me mandou e-mails quase diários a respeito dessa adoração.
Aí ele finalmente veio estrear sua peça em São Paulo. E quero te ver daqui, preciso te conhecer dali. Você, Tati. Ah, que mulher.
E o cara me mandava e-mails nos intervalos da peça, pouquinho antes de começar, pouquinho depois de terminar. Durante os ensaios. Uma obsessão que nunca vi. E me mandava senhas de ingressos com cadeiras na primeira fileira. E traga quem você quiser, mas melhor que venha só. Preciso te conhecer, preciso. Você, que mulher.
E eu fui. Ah, eu fui. Quatro meses no meu pé, tamanha obsessão. Eu fui. E achei ele gato e interessante. E confesso que ele foi, nessa minha vida bem aproveitada, o melhor beijo na boca que já dei.
E a coisa crescia. Seu cheiro, seu cabelo, seu sorriso, sua cintura. O cara, se pudesse, me enquadrava e me colocava na sala. Se pudesse, me fazia virar uma estátua na entrada do apartamento. Nunca ninguém ficou tão encantado por mim. Ele chegou ao ponto de, no último dia da peça em cartaz em São Paulo, agradecer a Deus olhando pra mim, que estava que nem besta, de novo, na primeira fileira. Tipo: eu era Deus!
E então, transamos, e a coisa só piorou. Porque seus olhos fechados, porque você dormindo, porque você acordando, porque tomar banho com você, porque eu sei, mulher da minha vida, primor intelectual, sensibilidade absurda, humor genial, maldade charmosa, que mulher, que mulher, que mulher, eu nunca mais viverei sem você, não agüento ficar longe, você pode tudo, é você, é você. E me apresentava pros amigos “se preparem pra amar essa mulher pra sempre, porque é o que eu vou fazer”. E não existia quarta, nem quinta e nem terça. Todo dia era sábado. Todo dia era dia de namorar e ouvir aquelas coisas todas. E ele me mostrava sua foto criança “olha a cara do seu filho”. E ai de mim se topasse sair com alguma amiga ao invés de ir naquele flat onde ele quase me embalsamava de tanto amor e sexo e planos.
E eu quieta, vendo aquilo tudo. Querendo acreditar aos poucos mas acreditando rápido porque, afinal, a vida é um saco e eu deveria mesmo merecer tudo aquilo. Por que não? Sim, sim, eu merecia! Claro.
E então, numa tarde, depois de tantos elogios e melhores beijos do mundo e carinhos na nuca para eu dormir mais rápido e um anel de ouro branco que ele mandou fazer escrito “I Love you” na parte de dentro, eu resolvi que gostava do cara. É, acho que eu curto esse cara. Olha, tô achando que eu amo esse cara.
E porque resolvi que então eu estava naquela relação e qualquer mulher que resolve isso precisa de algumas garantias e conversas que vão além da ostentação teatral e da euforia sexual, achei que não teria problema nenhum em dizer pra ele, o quanto eu estava sofrendo com o final da peça, se ele ia mesmo vir pra São Paulo me ver toda semana, se ele ia se comportar no Rio, longe de mim, com aquelas vadias bundudas querendo uma chance na TV. Se ele me amava mesmo. Como seria com ele longe. Se ele achava que aquilo tinha futuro mesmo. Aquela ladainha normal de qualquer mulher que se sente à vontade pra ser chata depois do cara ter ganho o cartão “sou insuportavelmente louco, apaixonado e obcecado por você, fucking woman of my life”.
E ele coçou a batata da perna. Espreguiçou. Fungou fundo a respiração. Foi tomar banho sem falar nada. Ficou dois longos dias sem me ligar. E depois, porque eu fiquei sem entender nada e fui pro Rio, desesperada, ver o que estava acontecendo, ele me disse, com uma frieza e um distanciamento que até hoje me dilaceram e me fazem temer a vida: “ah, Tati, você é chata”.
É, mulheres são chatas mesmo. O que é melhor, muito melhor, infinitamente melhor, do que ser você.
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