Cinema é, antes de mais nada, uma maneira culta e divertida de sair um pouco da sua realidade tediosa e viajar no corpo de outros seres, mundos, sensações e vidas. Mas isso fica um pouco difícil ao lado do casal chupa-chupa, aquele que não tem dinheiro para o motel e não sabe beijar sem risinhos safados e sonorizações além da conta; do gigante desproporcional, aquele que tinha mil cadeiras pra escolher e escolheu justamente a que fica na minha frente; da tia das múltiplas interjeições, aquela que fica o tempo todo “ai, agora vai”, “hmmm, ferrou”, “vixxxi, ele atirou mesmo!” ; do líder de galera que precisa fazer um comentário inteligente (só ele e a galera acham inteligente) bem alto pra toda a galera, que ocupou duas fileiras do cinema, ouvir; e do típico comentarista cinematográfico para namoradas burras, o cara que passa o filme explicando o que está acontecendo pra gatolona que de tanto apertar a calça jeans sufocou o cérebro, que fica na bunda.
Minha gente, vamos colaborar, né? Tem lá o cinemão super blaster do shopping mega trands, todo digital, gigante, com mais de dez salas passando o “Velozes, furiosos e sem roteiro” ou o “Apertem o sinto muito, o roteirista se vendeu” para vocês se esbaldarem na breguice e no mau comportamento, se chuparem bastante, comentarem bastante a cena da explosão do “Mercedão” e fazerem bastante barulho ao comer a pipoca amanteigada de boca aberta. Então, que cacete vocês vão fazer em filmes sensíveis, profundos e complicados, que pedem aquele silêncio quase religioso da entrega e da angústia?
Não, a fofa não vai entender por que acabou sem final feliz, o casal lambe-lambe não vai entender por que todo filme com casais muito apaixonados acaba em trajédia e a tia das interjeições vai sair na primeira cena monótona que mostrar uma cadeira de balanço melancólica por mais de 10 segundos.
A sétima arte não é pra ser compartilhada. Sim, dezenas ou até centenas de pessoas dividem a sala, mas, ainda assim, é preciso se sentir o último e mais solitário dos homens para estar realmente ali e se emocionar.
Claro, em roteiros de muita ação, aventura e emoção, a galera se sente amiga, grita junto, bate palmas, se assusta junto… aliás, nada melhor do que assistir a um filme de terror sabendo que, naquele escuro terrível, muita gente está com você. Nessas horas até a companhia alheia do gigante, da tia, do casal esfrega, da gatolona burra e até do líder de galera é bem-vinda.
Mas mais uma vez reforço: não estou falando de puro entretenimento, estou falando de cinema-arte, assim como tem aquela expressão que eu odeio “futebol-arte”.
Poxa, nunca vou me esquecer de quando assisti a “Encontros e Desencontros”, um dos filmes mais lindos da minha vida, ao lado de três adolescentes super perfumadas que ficavam o tempo todo mandando e recebendo mensagens do celular cor-de-rosa com Hello Kitties pendurados.
Assim como baladas idiotas colocam uma idiota para selecionar o público idiota, temas cabeça deveriam selecionar um público com mais cara de cabeça. Claro que estou sendo terrivelmente preconceituosa, mas as chances de uma Barbie de 15 anos com botas combinando com o celular e duas amigas exatamente iguais a ela não entenderem um filme desse tipo é de quase 114%.
Eu defendo ainda que todo o material publicitário de fitas mais cults deveriam vir com avisos do tipo: “proibido para garotas que falam com voz de pato e combinam a bota com o celular”, “proibido para casais que noivaram na churrascaria do bairro”, ou ainda “proibido para losers solitários que vão ao cinema para ficar roçando a perna na garota ao lado”
A vida seria muito melhor, perfeita, linda, mágica e sensacional se fosse assim, mas aí não seria realidade, mais uma vez seria ficção, ilusão, cinema.
Por outro lado, fico imensamente feliz (desde que a pessoa inexista assim que a luz se apagar) quando vejo uma pessoa totalmente “multisalas, multisom, multigente, multipipocas” tentando ser feliz em salas pequenas e escondidas de São Paulo, aquelas com poucas cadeiras, telas menores, banheiros pequenos, poucas opções de salgados e grandes filmes.
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