É com a minha tristeza que acordo todos os dias. Penso isso e deixo escapar um enorme sorriso enquanto faço o primeiro xixi do dia. Aí penso, sempre as exatas 8 e 35 da manhã: se eu fizer agora uma vitamina e ler o jornal, vai ficar tudo bem.
Depois coloco meio triste a minha roupa de ginástica e desço cantando e tomando uma caixinha de água de coco. Me engano um pouco que malho muito. E nisso há uma certa tristeza. Mas acho graça.
Volto sabendo que nunca vou ser a gostosona que sempre vai roubar os homens mais superficiais de mim. Volto sabendo que ainda assim, por alguma maluquice da minha cabeça, vou continuar atraída pelos homens mais superficiais. Isso me deixa superficialmente triste. E então tomo meu banho rindo de pensar tanta coisa maluca.
Escolho alguma roupa que me traz alguma tristeza. A calça do dia que voltei sozinha pra casa depois do filme bonito. A camisa do dia que ninguém me enxergou e ninguém quis meu bem. A calcinha que eu comprei para ser amada e mais uma vez só fui usada. O sapato que quis pisar nele mas só levou uma rasteira. Penso então que vou dar mais uma chance para essas roupas me fazerem muito feliz, assim como me fizeram no dia que ainda tinham etiqueta com preço. Sorrio para a segunda chance da vida. Minha e das minhas coisas.
Meu carro me deixa triste. Preto suja muito e não agüento mais esse carro velhinho e barulhento. Tenho quase 30 anos e nenhum centavo no banco. Fico muito triste. Resolvo então colocar o David Bowie pra me alegrar e me dizer, sem querer dizer, que minha vida é sempre uma montanha russa e daqui a pouco to subindo de novo. Brisa na cara e tudo mais. Pra depois cair de novo e até nisso sentir prazer. Tudo é prazer. Vamos em frente. Eu e o carro.
Não presto atenção em nada do que esses jornalistas falam. Sinto saudade de meus amigos publicitários e fico triste de novo. Fácil de resolver: mando e-mail pra todos eles pedindo um freela. Frella arrumado já pra hoje mesmo. Não entendo nada que esses publicitários falam. Fico triste e com vontade de fazer alguma coisa para uma produtora. Já para o final do dia arrumo uma parada numa produtora. Não entendo nada que esse povo de cinema fala. Fico triste e sinto saudades da minha cachorra. E ela então encerra meu dia me lambendo e me deprimindo: um dia ela vai morrer. E então, a sensação do fugaz me faz querer amar muito tudo. Beijo a cachorra na boca e pego bereba. E a bereba me deprime. Mas a bereba também passa. E até que o dia de hoje foi bom. E até que eu ganhei um dinheirinho. E até que sou uma mulher de quase 30 anos com algum dinheirinho.
Ver tv me deprime, então resolvo ler. Que me deprime. Então resolvo dançar de pijama na cozinha. Que me deprime. Então resolvo ver tv. Que me dá sono. E sono não me deixa triste. Mas sonhar me deixa. Porque todas as noites eu sonho que estico o braço e encontro as costas dele. E enfio a mão pela camiseta amarela e faço carinho nas costas dele, onde tinha um pouco de pêlo quente. E ele só gemia ao estilo nenê e não ao estilo sujo. E o mundo ficava tão limpo. E desde que ele se foi o mundo ficou sujo. E então fico muito, muito, muito, muito triste.
Trato então de sonhar algo bizarro ao estilo eu na dança do gelo do Faustão vestida de Barbie ou eu indo trabalhar de novo sem calça ou eu no ginásio fazendo cocô lá na frente da sala enquanto todo mundo apontava e ria. E dou risada sonhando. Fico orgulhosa de mim: minha capacidade para transformar a tristeza em alegria é tão grande que até o inconsciente pode ser enganado.
E então, só porque outro dia feliz me espera, acordo triste novamente.
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