Um dia minha terapeuta falou pra mim: “você precisa formatar esse homem que você quer. Parar de se perder pelo meio do caminho com gente que não tem nada a ver com você.”
Cheguei em casa e fiz o que os publicitários chamam de briefing. Coloquei em um papel todos os aspectos, formatos, intelectos, medidas, cores, palavras, sentimentos e modos que esse macho deveria ter:
35+, bem-sucedido (mas porque ralou e não porque nasceu rico), moreno, não muito alto, baixinho nem pensar, forte (mas não malhado), sensível mas que saiba carregar peso e resolver problemas burocráticos, engraçado mas sem muitas piadas com pum, que ame a família mas que queira também constituir uma, que ame as crianças mas que nem por isso queira ser uma, que ame os cachorros mas que nem por isso queira ser um, que ame a sua mãe mas que nem por isso queira que eu seja a mãe dele, que chore vendo tv, desde que não seja o campeonato dublado de pôquer e que ame os amigos mas nem por isso dependa deles para ter personalidade.
Que use um anti-sinais mas às vezes fique com preguiça do banho (homem sempre limpo e cremoso também não dá), que tenha uma quantidade média de pêlos, despelado não dá, tampouco macaco. Que corte as unhas do pé mas jamais use base nas unhas da mão, que tenha uma barriguinha de leve para que eu não fique neurótica com a minha bunda molinha, que, quando de frente para o espelho, olhe sua careca e jamais os músculos da sua bunda, que respire de um jeito aceitável quando dorme depois de beber e que jamais, jamais, jamais: vomite.
Que more sozinho, goste de ler (John fante e Nelson Rodrigues, por favor!), goste de sexo “olho-olho” e não só de sexo “canal pago”, goste de viajar mas nem por isso deixe de aproveitar os cinemas e os restaurantes maravilhosos de São Paulo, que seja um pouquinho “cafa” mas só comigo e que goste de uma mistura louca entre Truffaut, Fernando Meirelles, Spike Lee, Orson Wells, Bossa Nova, eletrônico, Jammie Cullum, Franz Ferdinand, Frank Sinatra, Billy Hollyday, Cartola, Elvis e… Alcione (adoro “a marrom”, ninguém é perfeito!).
Bom, na verdade o texto tinha umas 18 páginas (só para gosto musical, cinematográfico e literário iam umas boas 10), mas eu só tenho 3.500 toques aqui.
Assim que terminei meu briefing de homem perfeito, não deu três dias ele apareceu. Dizem pra gente tomar cuidado com o que deseja, pois é. Trocamos alguns e-mails, telefonemas e, a identificação foi tanta, que no dia do nosso primeiro encontro eu quase fui de vestido de noiva.
Ele escolheu o restaurante perfeito, me buscou na hora certa, usou o perfume certo, colocou o cd certo e disse todas as palavras certas, com direito a uma cultura invejável que calou a minha boca e me fez ter vergonha da minha listinha de músicas, filmes e livros.
Durante o jantar me fez rir o tempo todo, pediu o prato certo, o vinho certo, a sobremesa certa e, pra completar sua desenvoltura impecável: pagou tudo.
De volta ao carro ele abriu a porta para mim, me deixou comandar o ar-condicionado mas não me deixou comandar a discotecagem, afinal, homem precisa ser só meio comandado: totalmente comandado é coisa de fraco e nada comandado é coisa de grosseiro. Perfeito!
Me deixou na porta de casa, desceu do carro comigo, me acompanhou até o elevador. Me deu um beijinho carinhoso, mas não tentou me agarrar, afinal: mistério para o próximo encontro é perfeito.
No dia seguinte, logo pela manhã, me mandou flores.
Sim, finalmente eu havia encontrado o homem briefing, ele existia, ele podia ser meu.
Só continuo solteira porque, infelizmente, nunca mais quis falar com ele. Puta cara chato!
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