A parte boa de morar sozinha é quase óbvia: chegar em casa depois de um dia chato de trabalho e não precisar ser simpática com ninguém, poder dar festinhas das mais “clube da luluzinha” as mais íntimas, dormir até a hora que quiser, ser dona de um banheiro exclusivo (aliás, de uma casa inteira exclusiva), encontrar as coisas onde deixou, botar um adesivo de borboleta roxa no meio do quarto sem ninguém encher o saco, ter uma foto do Nelson Rodrigues, uma do Seu Madruga e uma do Dali convivendo pacificamente na sala sem ninguém te achar esquizofrênica...a lista é infinita.
Já a parte chata é bem mais curta, simples, direta e realmente muito chata: não poder delegar coisas. Como eu queria berrar “agora é a sua vez de descer para pegar a pizza”. Ou pedir um copo com água depois que já estou quentinha embaixo das cobertas.
Queria também, muito, ter para quem delegar funções nada femininas como arrumar o varal que despencou, trocar a pilha do aquecedor de água (que já me estragou o esmalte umas duzentas vezes), subir com o galão de água pelas escadas no dia que o elevador pifou, receber os tios “cara de que nunca viram mulher” da instalação do fogão. Essas coisas.
Mas não tem. Simplesmente não tem quem chamar. Quando acaba a luz, lá vou eu no escuro e morrendo de medo achar uma vela. Quando as compras estão muito pesadas eu tenho que escolher entre carregar as compras ou carregar as compras, acabo adquirindo uma força que nem eu sabia que tinha. Quando a vizinha resolve escutar Bossa Nova remixada (tem coisa mais brega?) bêbada, às 3 da manhã, e ligar para o namorado e berrar pela trigésima vez “você estragou tuuuuuuuudo” também sou eu, sozinha, que bato na casa do zelador pra dizer que ela vive estragando meu sono, que é tuuuuuuuudo pra mim. Tem horas que eu pagaria feliz o dobro do meu aluguel só pra ter alguém que fizesse tudo isso por mim. Mas acho que ninguém gostaria de fazer um estágio de mãe na minha casa. Ou gostaria?
Hoje faz exatamente um ano que saí da casa dos meus pais, onde eu tinha todo o conforto, espaço e paparicações do mundo, e me mudei para meu ap de 55 metros quadrados com vizinhos loucos que martelam durante a manhã e escutam bate estaca durante a noite, chuveiro que esquenta-esfria e eletroeletrônicos que apitam, estralam, dão choque e até andam sozinhos.
Mas olhando para a minha casinha com todas as coisas que eu mais adoro no mundo (músicas, livros, filmes, pôsteres, revistas, cremes, roupas, silêncios, velas, objetos que trouxe de viagens, fotos...) eu penso que carregar sozinha o peso das compras e da vida valem muito a pena. Acho que acabei ganhando alguns músculos necessários para ser uma mulher de verdade. Aqueles que ninguém ganha na academia da moda.
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