Tenho um móvel lindo, colorido e descascado. Dentro dele, dezenas de CDs e fotos me lembram, timidamente, que nunca estarei sozinha.
Acordar ainda dói um pouco, não por nada, apenas porque simplesmente dói lembrar que continuamos sem saber ao certo o que significa tudo isso. Mas a cortininha de vidro que separa meu quarto minúsculo da minúscula sala me traz aquela magia fugaz que engana o espítito um pouco e traz a paz da futilidade.
A geladeira é velha, já morava aqui antes de mim, mas enchi ela de ímãs de filmes e uma foto do Seu Madruga. Acabo gostando dela, apesar dela ter roncado a noite toda. Aliás, acho bom mesmo que ela ronque em fases, pois, na fase do silêncio, lembro que sou feliz. É preciso guerra para haver paz… quem disse isso mesmo?
Ben Harper é o escolhido do dia, ele toma café da manhã comigo. Já é quase meio-dia e eu estou calma, não preciso me preocupar com nada, não preciso ser legal com ninguém. Posso ler o jornal enquanto pego uma fatia de pão com os dedos sujos.
Me dou broncas, me odeio, faço as pazes comigo cantando alto no chuveiro que inunda a casa inteira. Deixo a casa uma zona, estrago comida, permito que as flores morram, sujo o sofá de iogurte e assisto a um filme besta sem me preocupar com a opinião alheia. Aproveito ao máximo que estou distraída de mim mesma, daqui a pouco eu arrumo tudo minuciosamente, alugo um Truffaut, faço contas e balanço a cabeça inconformada. Começo a achar que é difícil enjoar de mim, basta ser um pouco humano.
Não sei não, mas algo me diz que me amo tanto, tanto, que prefiro não ligar o celular, a internet e prefiro também não espiar pela varanda. Fecho os olhos esticada e pelada na cama, por alguns segundos brinco que não sei meu nome. E acabo não sabendo mesmo.
Moro sozinha agora, coisa que quando eu tinha quinze anos nunca imaginei que conseguiria fazer. Tenho vinte e sete e continuo não imaginando como fazer. Enquanto isso, faço, sem me dar conta.
Tenho pesadelos de que não vou conseguir pagar minhas contas, mas como sou muito figura, acordo no dia seguinte e compro uma jaqueta de couro de quinhentos paus. Acho que, como eu acredito que o dinheiro nunca vai faltar, alguma magia do universo colabora e eu acabo sempre arrumando um freela aqui, um texto ali, um projeto lá. Sou rica de mundo e isso é tudo.
Tenho aprendido coisas geniais como, por exemplo, que comprar uma cortina devia ser proibido para menores de 18 anos. Primeiro mandam você escolher um varão, depois você tem de decidir se este varão vai passar na prega-macho ou na prega-fêmea. Puta baixaria.
Minha geladeira dá choque e eu me sinto muito independente quando tomo meus choques sozinha e não posso nem dividir um “caralho” com ninguém. Aliás, já faz um tempo que não divido nem um caralho nem um choque com ninguém. Foda-se, enquanto isso encho o rabo de bolacha goiabinha e leio sem parar outros solitários.
A minha pia é das coisas mais charmosas que eu já vi nessa vida. Ela não fica nem no banheiro, nem no quarto, nem na sala, mas ao mesmo tempo fica em todos os lugares. De presente para a pia comprei novas maquiagens, novos cremes e novas bijuterias, ela adorou.
Sempre quis ter uma casa só minha para encher de amigos e namorados. Engraçado, mas agora que tenho a tal da casa, morro de ciúmes e seleciono neuroticamente quem vai pisar no tapete chiquérrimo de macarrão que esconde o fio da televisão chiquérrima de LCD. A idade te deixa mais chata e diminui muito as suas chances de se dar bem. Mas pelo menos agora eu sei que, quando uma coisa é boa, ela é boa mesmo.
Hoje de manhã eu acordei e fiquei olhando para tudo catatônica, um misto de susto com deslumbramento. Me dei conta de que essa é a pior e a melhor fase da minha vida. Eu nunca andei tão triste e nem tão feliz. Foi difícil enterrar tantos mortos e tantas rotinas, mas está sendo muito fácil viver dentro de mim.
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