Uma vez eu conheci o homem mais bonito do mundo. Eu estava sentada no chão de uma festa com pocinhas. Toda festa de jornalista forma pocinhas, pode reparar. E ele veio falar comigo “vai molhar a calça”. Ah, mas vou mesmo.
Se tratava do homem mais bonito do mundo, eu não tinha nenhuma dúvida. Quem poderia ser mais bonito do que ele? Javier Bardem? Não. Basta vê-lo no filme da cólera pra saber o potencial que ele tem pra feiúra. O Brad Pitt? Eu prefiro os morenos. O Jesus Luz? Acho fraco, ele tem aquele lapso de vergonha suburbana no branco dos olhos. Não gosto de homem que se sente devendo algo ao cosmos. Homem que faz pose de topo de cadeia alimentar mas sofre as dores de uma coluna ainda arredondada pelo começo da evolução.
Enfim, tratava-se do homem mais bonito do mundo. E ele veio falar comigo. E eu estava sentada no chão. E ali mesmo trocamos uns beijos e telefones e confissões e eu lembro que, apesar de estar com muito sono e cansaço e desesperança com a vida, fiquei tentando descobrir o que um homem daquele nível supremo de beleza (um metro e noventa, olhos azuis, cabelos castanhos cacheados, ombros que iam até o Chile) tinha visto numa garota bem mediana que estava sentada no chão em um dos dias de menor brilho de sua carreira social.
Apliquei o teste do cotovelo durante o beijo (a leve roçadinha sem querer pra saber se o membro promete ou não promete). Apliquei o teste da sapiência média (você comenta que quando você olha pro abismo, o abismo olha pra você, e espera pra ver se ele tem alguma cultura de filosofia de almanaque). Apliquei o teste da bobeira erudita, uma merda qualquer que você lança no ar tipo “ai que vontade de chafurdar por essas lamas universais” e se o cara for minimamente interessante ele compra a besteira e devolve uma outra melhor ainda. Se ele for um tapado ele ri e fala algo idiota tipo “quero o mesmo que você está tomando” e daí você sabe que está, novamente, sozinho no mundo. Como sempre.
E ele, do alto de sua absurda e dolorosa beleza, foi tirando nota sete e meio em todos os quesitos. Devolveu uma besteira à altura, conhecia frases pessimistas perfeitas para uma noite estrelada e passou com certo louvor no teste do cotovelo.
No dia seguinte, já pela manhã, chegou uma mensagem de texto do homem mais bonito do mundo “quero te ver”. E foi então que resolvi pedir ajuda. Juntei a mulherada em casa. E todas nós, em silêncio, começamos a “googla-lo”. Até que uma foto bem grande, dele só de bermuda, sorrindo, ocupou a tela inteira e o coração de todas nós. Algumas suspiraram. Algumas tiveram ataque de riso nervoso. Uma ficou bem irritada e foi embora. Outras me olharam com a miopia bem apertada tentando descobrir que é que eu tinha pra merecer aquilo tudo. Ele era realmente o homem mais bonito do mundo. Todas concordaram. Não existe homem mais bonito do que esse e talvez nunca existirá. E, ao que tudo indica, trabalhador, com amigos do bem, amante da natureza e das crianças. A ficha.com estava limpíssima. Mas você viu se ele…Vi, vi, sim, ele passou no teste do cotovelo. Burro? Não. Então o quê hein? Pois é, amigas tão honestas, eu também não sei o que ele viu em mim. Tentaram uma última explicação, olhando para os meus pés “ah, vai ver ele gosta de sexo bizarro”. É, vai ver. Outra explicou assim “ah, tem tanto casal que a gente vê e não se conforma”. Pois é.
Fiquei quarenta e sete dias com o homem mais bonito do mundo. Todo mundo olhava pra ele. Homens, mulheres, velhinhos, crianças, cachorros, pombas, formigas. Ele poderia ter qualquer uma das anjinhas da Victoria’s Secret (caso além de perfeito fosse trilhardário também...não era o caso, mas era bem de vida) mas preferia estar comigo. Ele definitivamente não tinha nenhum problema sexual, aliás, muito pelo contrário: fazia parte do seletíssimo grupo de homens que, apesar de não fazer feio em medidas, são adeptos do sexo minimalista (aquele que sabe o valor da delicadeza pontual, ritmada, paciente e amorosa), entendia os filmes do Reserva Cultural e me explicava as palavras mais difíceis das músicas do Radiohead.
Tudo ia muito bem até que um dia, na fila pra comprar uma bomba de chocolate numa rua de Higienópolis, eu resolvi explodir aquela relação. Ele era tão bonito que me...que me...que...sei lá. Lembro que na hora pensei algo assim “ah, má vá ser bonito assim lá na puta queo pariu”. E ele foi.
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