Um mês de antidepressivo e volto ao consultório da psiquiatra. Preciso contar o que mudou. Bom, antes, quando fechavam a porta do avião, eu pensava “quando eu vou começar a morrer?” e agora eu penso “quando é que vão servir o lanchinho de pernil vencido?”. É, substituir a morte por um lanche por apenas 48 reais a caixinha com 10 comprimidos de 20 mg me parece bem interessante. Acho que estou bem.
Ela tinha avisado que eu sentiria fome, só não imaginei que seria de meia em meia hora. Só nunca me imaginei comendo banana com pão de queijo às quatros da manhã. E pior: com gemidos musicalizados. Do tipo: cara, como a vida é boa.
Acho que tô bem. Quando o trânsito para eu não penso mais que meu miocárdio vai explodir junto com uma veia da testa e eu, tão bonitinha, vou me dissipar pelo mundo entre tripas, bostas e sangues. Penso apenas “hmmm, olha só, se o trânsito não tivesse parado, eu não teria visto que abriu uma franquia do “amor aos pedaços” nessa avenida. Hmmmmm.
Acho que tô bem. Não me mordo mais dormindo, tensa, tipo “de onde viemos e para onde vamos” ou pior “se Deus não existe, como faz?”. Eu acordo pra morder, quer dizer, comer. E Deus deve existir, caso contrário, não existiria a banana com pão de queijo às quatro da manhã. E eu não sei de onde eu vim, mas iria fácil, agora, a uma pizzaria.
Eu acho que estou bem. Não tenho mais pânico de atravessar a rua, de lugar fechado, de compromisso, de túnel, de trovão, de ficar doente, de cair dura, de enfartar, de calor. Mas, pra falar a verdade, tá me dando muita fome e eu queria ir embora agora. Eu tô bem. Tá tudo bem. Ah, sim, a receita, obrigada. Hmmmm receita! Vou pedir pra minha mãe fazer aquele bolo de…Voltar daqui um mês? Claro, se eu ainda passar pela porta.
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