Você é uma mulher ou uma lesma? Ou você aprende a dançar a valsa ou abre uma pousada no meio do nada. Quem você pensa que é com esses peitos "mixurucus"? Dá vontade de fazer uma música com o que você escreve. É fácil gostar do difícil.
Tem frases que você não esquece nunca mais, ou porque mudaram sua vida para melhor, mostrando alguma verdade óbvia e nunca antes exposta com tanta força; ou para pior: porque rimaram perfeitamente com a sua baixa auto-estima.
Tem aquelas também que apenas imortalizam-se como um dos melhores elogios que você já recebeu: "você é a mulher mais linda do mundo", me disse uma vez o meu avô, quando eu era criança, com a esperança que eu acreditasse e parasse de subir no bidê para alcançar o espelho do banheiro, podendo causar algum acidente caseiro. Eu acreditei e parei.
Eu era praticamente virgem (só tinha transado, male e male, com um carinha que nem entendia muito da coisa) quando o homem que pontuaria o instante exato da transformação da minha vida pacata e sem grandes emoções, em histórias divertidas, proibidas e complicadas, se virou pra mim, no meio de cerimônias cínicas e timidez quase indecente, e disse, acariciando a aliança gigante: mulher gosta mesmo é de uma encrenca.
Em menos de uma semana, eu era inteira sorriso e confirmava para mim mesma, enquanto ele, atrasado, tomava um banho rápido, a afirmação dita com tanta clareza de incontestação: mulher gosta mesmo é de uma encrenca, e como.
O Serginho, um garoto de onze anos, foi quem mais forte esmurrou minha vaidade pré-adolescente. Mas é também um forte candidato a responsável, hoje, por gavetas e cabides lotados de roupas decotadas. "Quem você pensa que é com esses peitos mixurucus"?, disse, querendo, na imbecilidade de sua mente verde e punheteira, que eu tivesse, aos dez anos, os seios das vagabundas de bocas entreabertas e línguas de fora das revistas que ele deveria colecionar.
Quem eu penso que sou não tem nada a ver com meus peitos, mas parte superficial da minha auto-estima, hoje, eu devo a eles, que cresceram substancialmente nos últimos 15 anos que se seguiram depois que o Serginho, hoje gordo, careca e casado com uma despeitada, desbundada e sem nenhum sal, ousou dizer a frase que me deixaria corcunda, deprimida e mais pobre (por causa das terapias e fisioterapias) durante a adolescência. Frases são macabras com as crianças.
Pode apostar, as frases que mais te marcaram, e mais são responsáveis por muito do que você é hoje, você ouviu na infância. Assim como Freud, na minha opinião, estava certo quando elevava o sexo ao centro de suas especulações a respeito das razões humanas, também não estava errado quando dizia que tudo é culpa da sua mãe, do seu pai e de quem mais participou da sua criação. "Mas eu também amo você", foi o que minha mãe me disse quando eu, aos dez e poucos anos (o idadezinha marcada pela desgraça) perguntei se ela amava o namorado. Errado mãe, você deveria ter respondido "mas eu amo muito mais você", eu não tenho dúvidas de que eu era a predileta, afinal, filho é filho e ela nunca deixou de me colocar em primeiro lugar, mas não foi o que ela respondeu, naquele momento em que me enchi de coragem para testar o quanto o centro do mundo (que aos 10 anos é a sua mãe) me amava, simplesmente não foi. E foi naquele dia que ela, fritando um bife e sem paciência para conjeturar sobre as coisas da vida, me apresentou para a minha alma solitária e cheia de ódios.
Posso estar cercada de mundo que me sinto numa ilha deserta. Posso estar cercada de amor que me sinto traída e posta de lado. Estou sempre em busca do verdadeiro amor, só meu, só para mim, e estou completamente cega para ele.
Mas foi também, naquele momento, que eu criei a consciência de que eu não era única no universo e que, para sobreviver, tinha que aprender a dura arte de dividir meu espaço com o mundo. Tudo isso entre uma virada e outra no bife.
Outra dos meus pais, muito repetida durante toda a minha adolescência e super esclarecedora e motivadora para quem está em busca da própria identidade: "você é igual seu pai", dizia minha mãe. "Igualzinha à mãe", dizia meu pai. É, na loucura com certeza eu herdei muito dos dois.
Mas apesar dos garotos estúpidos de onze anos que, no auge da sua insegurança com as mulheres (auge que dura até os trinta e poucos anos) só querem detonar com elas, dos deslizes dos pais e mães que, ao contrário do que a gente espera, são humanos e também erram, das armadilhas da vida (que são ainda mais atrozes para uma menina mimada e filha única), e dos homens divertidos que nos alertam que a vida também pode ser muito divertida e o nosso corpo também pode divertí-los bastante, um dia a gente cresce e precisa trabalhar. Trabalhar para valer, ser alguém. "Eu não vou perder por pouco" me disse, uma vez, o meu chefe querido que me deu a primeira chance para virar uma redatora e continua não perdendo por pouco chegando todos os dias antes de todo mundo e indo embora depois. Para mim ele é perfeito, para a família, bom, vamos esperar um dia um texto do filho dele falando sobre seus próprios traumas, tipo esperar o pai até duas da manhã todos os dias e nem vê-lo sair pela manhã.
"Eu não vou perder por pouco" é o que me faz continuar escrevendo mesmo quando o meu fortíssimo lado preguiçoso tenta me convencer de que o trabalho já está pronto. Lado preguiçoso que sempre foi comentado, com maestria, simplicidade e ironia, pelo meu avô, que entre outras frases célebres ao meu respeito, como "onde encosta, dorme", referia- se à minha preguiça dizendo "essa aí não vai dar em nada". Lembro disso achando graça, beleza e com a certeza de que ele estava errado, taí o Domenico de Massi que não me deixa mentir.
Mas nem tudo são flores na vida de quem luta por um lugar ao Sol: cá estou eu, mais uma vez, sem um grande amor. E isso, para botar um sorriso esculachado nesse meu rosto, que segundo um inesquecível namorado "é dotado de uma beleza renascentista", me lembra a despreocupada frase de um amigo, excelente redator e extremamente charmoso, que me disse, certa vez, no meio de uma de suas risadas escandalosas: "ce já tá na pior, piorar não vai".
E piorar não vai mesmo, "o mundo pode desabar que eu continuo de pé", é o que minha psicóloga, muito bem paga por toda a minha adolescência, tentou colocar na minha cabeça, como um mantra, e conseguiu. Essa frase sempre grita na minha mente quando o corpo tende a dar umas tombadas medrosas e fracas.
E assim vou seguindo, às vezes deitada, às vezes curvada, às vezes de quatro, mas sempre de pé, minha vida. Com a certeza de que sou uma mulher, e não uma lesma, como me desafiou uma mega atleta da faculdade, quando meu viu parar, esbaforida, no meio da escada de cinco andares que nos levava até a classe.
Vou seguindo, dançando a valsa da sociedade enquanto me convir, amando o difícil enquanto me der tesão e tentando escrever textos que causem qualquer coisa em qualquer pessoa. Assim como um texto do Walcyr Carrasco, na Vejinha, que dizia como uma frase dele, a respeito dos escritores, tinha feito um amigo, que nunca lia, virar um leitor assíduo, me causou a maior vontade de escrever esse texto.
Eu poderia ficar aqui dias inteiros lembrando de ditos memoráveis e contando suas histórias, mas a frase "você fala demais", repetida mais de uma centena de vezes, e boa parte delas por homens que eu adoraria que tivessem me calado à força, me faz lembrar que já é hora de parar.
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