domingo, 6 de fevereiro de 2011

O queijo do Amadeo

Eu tinha sido completamente louca por ele. Imaginem só, eu que não suporto papo-furado, doente por um garoto de 19 anos. Era a minha fase Gael Garcia e o garoto era a cara dele, eu faria o mesmo se hoje me aparecesse um clone do Clive Owen.
Ele havia me largado por uma moçoila acéfala de 19 anos, na verdade, ele havia me largado por 347 moçoilas nesse contexto. Na época eu quase morri.
O tempo passou, outras decepções vieram, outras loucuras ocuparam o espaço, o fato é: eu nem lembrava mais que ele existia.
Até que, numa tarde ensolarada em Ubatuba, escuto aquela voz desafinada de quem tem pouco a dizer, mas diz tudo: “Tatizinhaaaaaaahhhh!!!”
Em menos de duas horas estávamos na pousada que ele sempre alugava. Seus 458 amigos igualmente deliciosos e insignificantes estavam perdidos pelo mundo, ou seja: o quarto cheio de tênis, bitucas ilícitas e espumas de barbear, era só nosso.
Não entendi nada do que estava acontecendo. Eu não era mais aquela mulher que um dia achou graça naquele garoto. E pra piorar, aquele filho da mãe já tinha me magoado muito, o que exatamente eu estava fazendo ali?
Tentei relaxar, fechar os olhos, recuperar nem que fosse um centésimo da magia perdida com o tempo… nada. Ele não conseguia me fazer sentir nada, a não ser desdém. Desdém pelo quarto e suas bagunças adolescentes, desdém pela voz desafinada de quem não diz nada que interessa, desdém pelas 347 moçoilas e os 458 amigos. Quanta gente chata, quanta gente chata que tinha ficado no meu passado. Pra que remexer nesse monte de gente chata e superada? Pra que fuçar no passado?
Outro dia eu estava andando por aí, sozinha, feliz da vida. A tarde era composta por uma pracinha, uma sacolinha com miniaturas lindas para meu novo ap e meu sapato de bolinhas. Eu tava que não me aguentava de alegria.
Aí, de repente, vejo ele parando o seu suntuoso carro num boteco nojento. Congelei. Será que ia doer ver o que eu já imaginava que veria um dia?
Logo depois dele, a morena inexpressiva desceu do carro, tirou a calcinha do meio da bunda, tropeçou de leve no meio fio e sorriu sem grandes emoções. Ele, para desespero total do meu ser, colocou a mão direita no ombro dela.
Sentei num banquinho e dediquei horas e horas da minha tarde me dizendo: mas já faz tento tempo, mas já faz tanto tempo, mas já faz tanto tempo.
De nada adiantou o mantra da aceitação, quando vi, eu já estava ligando para ele:
-é você dentro desse boteco nojento com essa morena sem graça?
-…
-não faz isso comigo, por favor, fale comigo, eu posso morrer!
-….
-você não quer falar comigo?
-não!
-por que?
-porque já faz tanto tempo!
Chorei o que ainda me restava de tarde e depois voltei a me perguntar: pra que remexer no passado? Pra que voltar a sentir aqueles tormentos que duraram anos por uma pessoa que já está superada há anos?
Fiquei com essa dúvida na cabeça nos últimos dias. Eu estou numa nova fase tão boa, leve, feliz, equilibrada… então por que raios ainda me pego querendo cheirar poeira mesmo sabendo da minha rinite gravíssima?
Hoje eu acordei com uma vontade louca de comer uma coisa que eu não sabia o que era. Revirei a geladeira, revirei os armários, fui até a padaria da esquina, repassei mentalmente todas as opções do supermercado mais próximo… nada adiantou.
Foi então que, aos poucos, meu paladar melancólico foi me dando pistas a respeito do meu desejo. Tinha cheiro de infância, gosto de sessão da tarde, era fresquinho, geladinho, branco, furadinho e combinava com tudo.
Eu estava alucinada por uma fatia do queijo minas do Amadeo, era isso! Amadeo era um velho português, dono de um armazém famoso no bairro em que morei na minha infância.
Desde que mudei de endereço, há dez anos, e mudei também de cabelo, de carro, de roupas, de gostos, de amores, de amigos e de manias, eu nunca mais tinha comido o tal do queijo minas do Amadeo, sem dúvida, o melhor do mundo.
Peguei um trânsito de uma hora para ir e outro de duas horas para voltar. Quando cheguei em casa, devorei mais de um quilo de queijo e tive a certeza de que, mesmo a gente evoluindo e mudando de ares, uma visita às quinquilharias faz parte da vida, ainda que o preço sejam lágrimas, arrependimentos ou uma baita caganeira.

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