domingo, 6 de fevereiro de 2011

Meu nome é Tati Pinto

Ela preencheu durante toda a noite o buraco fundo abaixo dos meus olhos, meu cansaço sem fim e sempre enojado de tanta simplicidade masculina.
Enquanto os debilóides arrotavam, riam alto, se amavam quase sexualmente em seus guetos medrosos e nos olhavam como pedaços de carne numa feira em promoção, Teresa tentava aprender a dançar sem cruzar os braços, Teresa tentava aprender a viver sem proteger seu coração.
São tão poucos os momentos de encantamento nessa vida que quis prestar uma homenagem a ela e me esqueci imóvel numa cadeira baixa. Depois quis sobrevoar Teresa e me esquecer de tanto lixo pesado que guardo em mim.
Ela quis ser minha amiga e perguntou inocentemente o que eu fazia da vida, nada demais. O problema é que Teresa é míope e pra falar comigo colou seu rosto no meu rosto.
Queria te contar, Teresa, enquanto tiros os nós do seu cabelo, toda a dor que eu guardo em mim, todo o nojo, toda a sujeira, toda essa merda que eu carrego. Queria te contar sobre tudo isso que me aconteceu, sentindo que liberto o seu shampoo para afastar esse cheiro quase podre de tudo o que quase morreu.
Chega a ser pecado contar isso nos seus ouvidos, mas eu preciso me purificar, eu preciso sentir que esse veneno que me corrói vira groselha quando escorre pela sua orelha. Me desculpe, Tereza, mas você é tão linda que eu vou te enterrar com as minhas merdas.
Ele não me beijava mais e seus olhos não escravos cresciam sobre a minha cabeça enjaulada, até hoje tenho esses pesadelos, ontem mesmo sonhei que a musa dele era um espírito que vagava seguro pelo meu corredor. Todo mundo morreu mas na verdade eu é que me sinto fora desse mundo e embaixo de tantas terras que não são minhas.
Eu me agarrei nas saias de Tereza e fui embora, chicoteada de um lado para o outro. Isso mesmo, minha princesa, me tire daqui, eu estou congelada nessa vida que acabou e tanta vontade de me cortar inteira só pode ser porque preciso derreter esse gelo com o meu sangue, tanta vontade de me rasgar inteira só pode ser porque chegou o tempo de mudar de casca.
Você é linda, você tem útero, você gera vidas, você tem esse buraco enorme e peludo que pode apenas me guardar sumida por uns tempos e nunca mais me furar tanto em praça pública. Não sei o que te dizer, meu amor, não sei o que querer, mas sei que nos seus passinhos pequenos e na sua requebrada quase que como se espreguiçando, eu salvei segundos do meu dia, eu salvei algumas pulsações malucas da minha cabeça que continuam confundindo todo o lixo que deixaram em mim com restos de prazer.
Veja o caldo que eu exalo, esse caldo de dor azeda, como é que se chama mesmo? E Tereza corre até o meu ouvido, seu seio direito é maior que o esquerdo e chega milésimos de segundos antes. Ela fala baixinho colada em mim novamente: é chorume, o nome desse caldo é chorume.
Então dance pra mim, só isso, continue fazendo esse beicinho para fingir que sabe a letra, continue me olhando com esse mistério profundo, negro, de uma criança que equilibra deslumbramento com alguma dor. Esse olhar que só os olhares um pouco árabes têm. Continue rodando a saia, continue ajeitando o ferro do sutiã por baixo da camisetinha justa, continue olhando miopemente para o mundo que pára por você.
Continue, por favor, alivie minhas marteladas, meus tormentos, me tire desse mundo que errou e me aprisionou como perdedora. Só quem quer ganhar muito se aprisiona por perder, e eu sempre quero ganhar muito. Tereza, eu não sei viver, por isso, continue me fazendo de mera espectadora, continue me inebriando com a sua vida.
Se eu sentir qualquer coisa que não seja você, volto a sentir o lixo, volto a me lembrar que aquelas cabeças nojentas e estúpidas querem se enfiar em mim sem nenhuma poesia. Essas cabeças imundas e covardes só prestam para rasgar a nossa verdade que carrega o universo inteiro, só prestam para provar ao mundo que são maiores que a beleza e a interrogação porque podem transformá-las em ódio, e o ódio nunca é bonito e muito menos tem dúvidas.
Quero me agarrar à minha unidade e nunca mais me despedaçar assim, quero me agarrar a tudo o que é meu e nunca mais precisar de ninguém, a não ser você. Quero andar por aí sem sentir que o vento atravessa minhas janelas.
Por favor, Tereza, me ame como só eu posso me amar, me ame com a urgência assustadora que eu cobro do mundo, me ame com o peso sufocante que eu coloco no mundo, me ame com as horas intermináveis que eu espero do mundo. Me ame sem amar porque nenhum amor é assim tão assustador, mas eu vivo assustada e precisando desse amor. Me dê esse amor, nem que seja para eu descobrir finalmente que ele existe e parar de querer tanto ele só pela mania de querer o que não existe.
Tereza corre de volta, eu não ligo que ela tenha um pouco de pêlo escuro no braço, eu não ligo que ela use sapatos de boneca gastos, eu não ligo que ela tenha um fiapo do seu cachecol na sobrancelha, eu não ligo que ela tenha os dentes tão pequenos. Ela se aproxima e me faz a pergunta idiota: você é louca ou se faz de louca? Os dois, meu amor, os dois. Eu me faço de louca para que ninguém descubra que eu sou louca. Agora volte para lá e continue respirando e se mexendo por mim. Volte para lá e continue fazendo eu me sentir um homem nojento com sua pica nojenta pronto para estragar a sua perfeição. Eu preciso me sentir um pouco menos porque a solidão de ser mais é ainda pior do que a mediocridade. Eu preciso vagar como uma besta pelo universo e não ser mais o universo.
Tereza, por favor, enfie esse seu sapato boneca gasto pela minha goela, me enforque com o seu cachecol, faça qualquer coisa para me tirar desse esgoto de porra em que eu vim parar.
Eu não quero lembrar que não me sobrou nada do que eu acreditei que era o meu castelo, nada. Eu não quero me lembrar que, depois do e-mail gigante de parabéns que eu escrevi para ele, ele apenas respondeu que sua namorada vai muito bem, obrigado. Eu não quero me lembrar que, depois do e-mail gigante que eu escrevi para ele, ele me respondeu que estava de férias e tinha deletado tudo, eu não quero me lembrar que, depois do e-mail gigante que eu escrevi para ele, eu apaguei tudo. Eu não quero lembrar que o mundo é simples e segue em frente enquanto eu não consigo nem levantar mais da minha cama de tanto que eu peso.
Eu não quero mais nenhuma mão nojenta tentando segurar os poucos fios que eu deixei na nuca, não quero mais que ele me ligue de madrugada só para me comer e me fale naquele sotaque meio paraíba meio argentino que eu sou muito novinha para entender a vida. Ele que é muito velho para estar vivo.
Eu não quero mais desejar aquele velho filho-da-puta que responde cada dor minha com o seu típico “hehehehehe” de quem disfarça a nossa história ou faz de conta que não sabe o quanto me assusto com pessoas rasas.
Eu não sei o que fazer, por favor, chame o carro, me tire daqui, me leve ver o pôr-do-sol, diga que vai ficar tudo bem. Eu preciso ver coisas bonitas, eu preciso sentir coisas bonitas, eu preciso não viver mais dentro desse planeta arrasado pela guerra e pelo cheiro de carniça.
Eu não sei mais o que fazer se tenho nojo de todo mundo, medo de todo mundo, descrença em todo mundo. Como se vive num mundo tão hipócrita tendo tanta verdade dentro do coração? Como, depois de tantas noites em claro agradecendo a Deus por aquela visão, a visão simplesmente sorri o mais alto possível da minha dor, arregala os olhos o máximo que pode para a minha cegueira e simplesmente vai comer um lanche no boteco da esquina?
No que eu devo acreditar agora, Tereza? Por favor, apenas seja você. Não abra mais a boca, não queira saber nada de mim, não me deixe mais sentir seu seio direito no meu braço, não vá embora, não queira entender a vida. Apenas permaneça exatamente assim, dançando alegremente e sem que isso a torne menos especial. Eu sei que a gente dança não porque é feliz, mas porque ficar feliz no meio de tudo isso também faz parte. E eu estou feliz olhando você feliz.
Então, por favor, volte aqui. Sei lá por que, e isso nunca tinha me acontecido, eu preciso que você exista tão enorme na minha visão que não sobre um centímetro do quadro para qualquer outra pessoa.
Eu quero sentar você no meu colo, eu quero enfiar meu cérebro inimigo no meio da sua nuca quente, eu quero agarrar as suas pernas e dirigir você pra sempre. Eu quero amar alguém de verdade, e você, sozinha nesse cantinho, com seus passos, seus sorrisos e sua preguiça de sentar naquele vaso imundo pra fazer xixi, é a única coisa de verdade que eu conheço.
Eles não, eles mijam em qualquer canto, eles dormem sujos, eles comem qualquer vadia, eles esquecem tanto amor, eles batem punheta vendo canal pago, eles trocam tantas trocas inteligentes e profundas por um e-mail de agradecimento mais curto e grosso que seus paus. Eles não imaginam o que se passa dentro da gente, mas eu sei o que se passa dentro de você, Tereza, e só por isso sou digna de estar aí dentro.
E, se por um acaso, meu amor, você precisar da minha superficialidade, te dou meus dedos todos, meu cotovelo, meus pés, meu queixo, meu nariz, minha língua, te dou todos os meus cantos, Tereza.
Agora vá embora, por favor, eu sou mulher demais para ser prática, eu sou mulher demais para colocar um final em tudo isso, eu sou mulher demais para corromper a sua dança.

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